"Péssimo, péssimo. Tenho conhecimento de muita coisa, estou a par de muita coisa. É triste. Mudámos para pior. É triste ver situações de pais, por exemplo [sem poder levar os filhos à escola]. Quando a Unir ganhou o concurso, prometeu muita coisa e na realidade não se vê nada", disse à Lusa Hugo Peixoto, de 45 anos, praticamente um ano após o início da nova operação, que se iniciou em 01 de dezembro de 2023.
Este passageiro, que falava à Lusa debaixo das arcadas de um prédio em D. João II, transformado em pseudo-interface da Unir, utiliza a rede em Gaia e Espinho e queixa-se da fiabilidade das frequências dos serviços, já que "passam aqui muitas [camionetas], mas o problema é que não há horários fixos".
Em redor das arcadas, o cenário repete-se diariamente: hordas de autocarros fazem fila à porta do prédio, esperando centenas de passageiros sem lugar para sentar, enquanto automobilistas apitam, irritados, no meio deste 'garrote' na mobilidade em pleno centro de Vila Nova de Gaia (terceiro concelho mais populoso do país) que ainda receberá uma estação ferroviária de alta velocidade até ao final da década.
Questionada se a paragem tem condições, Maria de Fátima Borges, de 52 anos, refere que "não tem".
"E em tempo de chuva também não tem, não é lógico. A gente estar aqui metidos debaixo e a chuva dá-nos aqui. Para mim não dá, que eu tenho filhos e sei ver", vinca.
Já depois de serem avistados ainda alguns autocarros grafitados ou com os painéis indicativos sem funcionar, estando o destino ainda indicado numa folha A4 pouco condizente com a era da digitalização, Maria de Fátima Borges reitera que "é sempre esta coisa", rejeitando que tenham existido melhorias.
"Não houve nada, não. Por exemplo, a 'canalha' está de férias e não fazem os horários na mesma, param pela 'canalha' estar de férias. Isso não é justo. Por acaso agora estou com baixa, mas quando ando a trabalhar preciso de uma camioneta para vir para casa e não tenho", queixa-se.
Perante cada vez mais autocarros a passar, questionada sobre se há mais serviço para os seus destinos, Fátima Borges não tem dúvidas: "não, não há, há menos".
"Cada vez há menos. Se não vier a das 17:30, só lá para as 18:30 é que temos outra. Isso tem alguma lógica, chegar a casa lá para as 21:00? Eu penso assim", assevera.
Num setor de atividade em que a perceção do passageiro é 'rainha', e por vezes até mais importante que a realidade pura e dura, mesmo que tenham sido adquiridos alguns autocarros novos em folha, e outros comprados usados, Rui Silva, de 56 anos, acha que "não há nenhum" veículo novo.
"Condições nenhumas. Os autocarros... eu acho que só faltou andar num em que chovesse lá dentro, pelo menos até agora. Mas, para quem celebrou um contrato de autocarros novos, não há um", insiste, apesar de não corresponder 100% à verdade, se for tida em conta toda a frota.
Além disso, queixa-se ainda de falta de informação, dizendo que esta "começa nos motoristas", apesar de não terem "culpa nenhuma".
"Quando você chega à beira do motorista e pergunta os horários e o próprio motorista não sabe, está tudo dito", resume.
Do outro lado da 'barricada', depois de se atravessarem passeios pequenos, cujo desenho convida a lógicos atravessamentos fora do sítio, expondo a fragilidade dos peões que se têm de deslocar entre dois 'terminais' de autocarros e uma estação de metro, pelo meio dos carros e da sua poluição atmosférica e sonora, Rosário Tavares, de 68 anos, esperava um autocarro rumo a Canedo (Santa Maria da Feira).
A passageira, situada na plataforma partilhada com o metro, considera que a mudança para a Unir "foi para pior".
"Não tem horário certo, faltam camionetas, eles ficam de folga não há camionetas, as camionetas são todas velhas", disse à Lusa em plena fila para entrar no autocarro.
Questionada sobre se se sente devidamente informada sobre os horários, refere que "é difícil, porque é só na Internet" que estão disponíveis.
"Nem toda a gente tem acesso a isso e não sabe ir a isso. Por exemplo, eu não consigo ir a isso. Não sei. Só sei este horário, que vem de manhã e à tarde, e mais nada", aponta.
Na sexta-feira, em declarações aos jornalistas, o presidente do Conselho Metropolitano do Porto (CmP) e da Câmara de Gaia, Eduardo Vítor Rodrigues, disse que "a idade média dos autocarros que circulam é substancialmente inferior" à dos anteriores operadores, sendo a maioria a gás natural, havendo "uma progressiva melhoria da qualidade da frota".
Para o responsável, se não houve "uma melhoria mais acentuada", tal deveu-se às impugnações em tribunal ao concurso da Unir por parte dos anteriores operadores, que fizeram as novas empresa falhar o prazo de "dois concursos públicos de financiamento a fundo perdido para autocarros novos".
Não é possível, atualmente, aferir de forma exata se todas as frequências estão a ser cumpridas, tendo a Área Metropolitana do Porto (AMP) já dito à Lusa que "monitoriza as falhas de serviço das quais recebe informação através de diversas fontes", não sendo pagas aos operadores as viagens não efetuadas.
Em Gaia, já estão a ser instalados postaletes nas paragens, e será disponibilizado um serviço com os horários em tempo real em algumas paragens e 'online'.
A rede Unir começou a operar em toda a AMP no feriado de 01 de dezembro de 2023, tendo o seu primeiro 'teste de fogo' na segunda-feira seguinte, 04 de dezembro.
A nova rede de 439 linhas e nova imagem substituiu os cerca de 30 antigos operadores privados rodoviários na AMP, e ao longo do primeiro ano de operação foi alvo de muitas críticas dos passageiros, especialmente a sul do rio Douro.
No lote Norte Nascente (Santo Tirso/Valongo/Paredes/Gondomar) opera a Nex Continental Holdings, no Norte Poente (Póvoa de Varzim/Vila do Conde), a Porto Mobilidade, no Norte Centro (Maia/Matosinhos/Trofa) a Vianorbus, no Sul Poente (Vila Nova de Gaia e Espinho) a Transportes Beira Douro e no Sul Nascente (Santa Maria da Feira/São João da Madeira/Arouca/Oliveira de Azeméis/Vale de Cambra) a Xerbus.
JE // LIL
Lusa/Fim