Que plano é este?

Durante dias e semanas ouvimos falar de um plano de vitória sem saber quase nada sobre ele, para além do nome, que deu que falar (não deveria chamar-se plano para a paz?).

Depois do fomento de uma expectativa tão grande em torno de um plano que parecia ser também ele tão grandioso, finalmente ficámos a conhecê-lo e aqui vamos explorá-lo.

É preciso começar por dizer que, em bom rigor, quase nada neste plano é integralmente novo. Os apelos nele contidos, como os problemas destacados, são, na sua maioria, antigos e datam de vários outros momentos críticos no contexto da luta ucraniana contra o pretensiosismo russo e das conversações travadas entre o governo ucraniano e os aliados no ocidente.

A novidade aqui patente é a formalização destes apelos e problemas antigos, assim como a sua organização em 5 grandes pontos (a que se somam 3 adendas secretas), a que o nome “plano de vitória” confere uma espécie de cúpula oficial.

Quais são os 5 pontos do plano?

O primeiro grande ponto é o apelo à integração da Ucrânia na NATO. Este é o principal desígnio do governo ucraniano desde a invasão russa em 2022. Por isso mesmo, e conforme acima se destacou, o plano de vitória recentemente apresentado vem somente conferir a este apelo uma importância formal e patenteada num documento também ele formal – o dito plano.

O segundo ponto trata de um apelo igualmente antigo: o reforço e fortalecimento da defesa ucraniana, reiterando um conjunto de pedidos célebres, como o levantamento de restrições em torno do uso de mísseis de longo alcance com o intuito de atingir alvos em território russo. Washington tem vindo a negar repetidamente este pedido, mas o executivo ucraniano entende que é necessário sair da esfera do esforço meramente defensivo, por oposição a uma atitude mais ofensiva (de que é exemplo o episódio de Kursk, de 6 de agosto deste ano).

No terceiro ponto é proposto um pacote de dissuasão estratégica não nuclear, cujo propósito será o de proteger a Ucrânia da ameaça militar russa. Este ponto não foi explorado com detalhe na apresentação do plano de vitória, sabendo-se que a ele se anexa uma das três adendas secretas do plano global. Ainda assim, e de acordo com Zelensky, uma política de dissuasão forte seria capaz de obrigar a Rússia a aderir a um processo diplomático com vista ao término da guerra. De novo, recuamos a um objetivo estratégico antigo do governo ucraniano: conduzir a Rússia à necessidade de conversar/negociar, por via não ofensiva, mas de ações de apetrechamento do território e das forças da Ucrânia.

O quarto e quinto pontos serão porventura aqueles que apresentam maior percentagem de fator novidade, desde logo porque a sua aplicabilidade se destina a uma realidade pós-guerra.

O quarto ponto propõe uma proteção conjunta (entre Estados Unidos, União Europeia e a própria Ucrânia) dos recursos naturais ucranianos e posterior usufruto partilhado desses mesmos recursos. A lógica desta proposta é a de cuidar da árvore em conjunto para depois colher os seus frutos, ou o potencial económico desses frutos, sobretudo, também em conjunto.

O quinto ponto, parecendo estar em consonância com o anterior, sugere uma substituição de algumas tropas norte-americanas em solo europeu por tropas ucranianas (depois do fim desta guerra, vale a pena sublinhar). Em linha com a proposta de exploração conjunta de recursos naturais ucranianos, este ponto também apela a uma estratégia de união de esforços e de criação de sinergias. Neste aspeto, os dois pontos revelam o desejo ucraniano de criar laços com o ocidente, assim como o seu sentimento de pertença, mesmo no pós-guerra.

E a reação russa?

Parte dos conteúdos do plano de vitória apresentado por Zelensky seria perfeitamente expectável, como até aqui já foi dito. O mesmo acontece no respeitante à resposta russa acerca deste plano. Dimitri Peskov, porta-voz do Kremlin, identificou um ADN americano neste plano, adjetivando-o como efémero, passageiro, transitório. Ou seja, e como seria de esperar, descredibilizando-o, invalidando-o. Tudo isto encaixa numa narrativa antiga da Rússia acerca das capacidades da Ucrânia, nesta guerra e antes dela.

Do mesmo modo, a porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Maria Zakharova, apelidou o plano como um conjunto de slogans incoerentes. Ter-lhe-á dado este nome por acreditar que este plano não passa de uma estratégia de oficialização de um conjunto de apelos da Ucrânia, pelo Kremlin percecionados como motores para a escalada da guerra. Nesta matéria em particular, a reação da porta-voz também mencionou o envolvimento dos aliados na guerra, reiterando o posicionamento russo acerca desta linha encarnada. Zakharova chamou a atenção para a forma como o plano de Zelensky pode conferir à guerra o derradeiro empurrão para o aumento da hostilidade entre a Rússia e o ocidente, para além da Ucrânia.

Porque não se chama “plano de paz”?

Porque este não é um plano de paz. A proposta de Zelensky em nada constitui uma forma de cedência da Ucrânia perante o revisionismo histórico russo, muito pelo contrário. Este plano não é um caminho para um cessar-fogo, não é um baixar de guarda relativamente ao que são as condições básicas de integridade e soberania da Ucrânia, não é uma oferta de paz numa bandeja.

Não se pretende com este plano abrir caminho à capitulação ucraniana ou ao congelamento das coisas como elas estão. Como acontece noutros casos, noutras antigas repúblicas da União Soviética, a Rússia tira partido de um conjunto de conflitos congelados (foi assim que ficaram conhecidos) para promover a instabilidade e a desordem em vários pontos estratégicos do ponto de vista geopolítico. É o que acontece na Transnístria, na Abecásia, na Ossétia do Sul, no Nagorno-Karabakh. Mas não é certamente o que Zelensky quer que aconteça com o Donbass.

Houve discórdia interna?

Apesar do objetivo de vencer a guerra ser nacional, a realidade é que Zelensky ainda é responsável por uma certa manutenção da união em torno desse objetivo dentro do seu país. Ainda é preciso alimentar a esperança e fomentar a credibilidade de um governo em guerra há quase 3 anos perante uma população a quem resta pouco onde depositar a fé na sobrevivência e na vitória. Este não é um processo meramente político, é também um processo humano. Zelensky não gere apenas uma guerra. Gere um país, um parlamento e uma sociedade civil.

No parlamento, a maior parte dos deputados ucranianos elogiou o plano e felicitou o Presidente pela sua apresentação. A questão da discórdia interna levantou-se principalmente porque um conjunto de deputados não se mostrou inteiramente de acordo com os trâmites deste plano. Para estes últimos, o problema reside fundamentalmente no modo como o plano de vitória está mais relacionado com atores e agentes externos à Ucrânia do que propriamente com a Ucrânia, os ucranianos e as políticas e ferramentas da Ucrânia. Falta praticidade ao plano, creem estes deputados, para quem os apelos de Zelensky são tão abstratos que não permitem “pôr mãos à obra”. Vão mais longe, sugerindo que são omitidas questões que a Ucrânia pode e deve resolver sozinha, nomeadamente ao nível das reformas democráticas e anti-sistema de clientelismo que, essas sim, permitirão ao país integrar-se nas instituições liberais ocidentais.

E Zelensky, o que pretende ele com este plano?

Zelensky precisa de ganhar terreno em vários domínios: precisa de ganhar terreno institucional, como confirma o apelo principal do plano, o da integração da Ucrânia na NATO; precisa de ganhar terreno militar, bélico, material, como confirma o apelo ao levantamento das restrições ligadas ao armamento aliado e à sua utilização; e precisa de ganhar terreno político, eternizando-se como o líder leste-europeu que venceu o pretensiosismo russo (de preferência durante o próximo ano de 2025).

Sob um ponto de vista mais prático, o Presidente ucraniano precisa ainda de ganhar forças num momento em que sabe perfeitamente que, apesar de o progresso russo ser lento, ele é gradual e efetivo. Por isso, a Ucrânia precisa de apetrechar cada vez mais e melhor as suas forças no terreno, sobretudo às portas do inverno e de uma eleição norte-americana que provoca ansiedade em todos aqueles que compreendem a necessidade de contar com o apoio dos Estados Unidos numa luta que não é exclusivamente da Ucrânia e dos ucranianos, mas de todos os povos livres.