A menos que uma hecatombe acontecesse, o resultado seria sempre o ponto menos relevante da partida do FC Porto diante do Sintrense para a terceira eliminatória da Taça de Portugal. O jogo servia, essencialmente, para testar novas dinâmicas, procurar novas sinergias em campo e dar minutos a jogadores menos utilizados.

E foi precisamente isso que aconteceu. No onze inicial só jogaram três habituais titulares e só um por setor (Neuhén Pérez, Alan Varela e Wenderson Galeno) e entre jogadores da rotação, segundas escolhas claras e aflitos por minutos de jogo, Vítor Bruno mudou muito a equipa. E foi recompensando, ganhando novas possibilidades e confirmando sensações presentes.

Para lá das nuances táticas testadas, com dois criativos por dentro – Iván Jaime e Fábio Vieira – sustentados por Alan Varela, solução que poderá ser replicada perante blocos baixos, Vítor Bruno ganhou alguns jogadores. De todas as novidades, há quatro que aproveitaram claramente a oportunidade. Alguns, de forma clara.

Tiago Djaló

Tiago Djaló é , porventura, o principal beneficiado com o duelo diante do Sintrense. Ainda estava por estrear, depois de chegar no último dia de mercado, foi lançado como titular e mostrou-se em competição pela primeira vez. Ganhou pontos para poder pedir a Vítor Bruno uma repetição da dupla nos próximos jogos.

O jogo não foi o mais exigente do ponto de vista defensivo, apesar dos bons apontamentos de Edney Ribeiro, referência ofensiva do Sintrense, mas as capacidades físicas do central ficaram evidentes com o FC Porto muito confortável a defender muito alto e com velocidade para correr metros para trás. O golo foi recompensa para uma tarde muito sóbria, como se quer de um central.

Na dupla com Nehuén Pérez podem residir muitas das soluções para os problemas defensivos com o FC Porto. Desde logo porque o português foi utilizado à esquerda, colocando o argentino – o mais confiável e seguro dos centrais azuis e brancos – a jogar no seu lado forte. Depois porque é mais consistente que Otávio e oferece valências que Zé Pedro não oferece. Por estas razões, Vítor Bruno pode ter descoberto a pólvora em outubro. Os próximos jogos dos dragões deverão responder a esta dúvida. Certo é que o técnico ganhou mais uma opção.

Martim Fernandes

Martim Fernandes só não é titular do FC Porto por culpa de João Mário. O lado direito é o que menos dores de cabeças negativas dá a Vítor Bruno, quiçá o que mais exige em termos de escolhas e de opções. A diferença de perfis dos dois laterais do FC Porto permite o treinador do FC Porto adaptar a escolha às características pedidas e escolher a melhor opção.

Por esta razão, com Gonçalo Borges em campo, Martim Fernandes é sempre a melhor opção. Com o extremo a dar largura, o lateral português pôde jogar por dentro, ligando jogo e dando soluções ao nível do passe. A presença de dois médios mais desequilibradores e mais altos no terreno levou o lateral a posicionar-se na linha de Alan Varela e a jogar muitas vezes de costas, procurando fixar o extremo adversário e gerar situações de vantagem por fora.

É a multiplicidade de funções e de papéis que consegue desempenhar que torna Martim Fernandes um elemento tão valioso no plantel do FC Porto. Consegue funcionar como lateral baixo – abrindo ou fechando por dentro – ou projetar-se – dando largura ou ocupando a meia direita – e tem recursos técnicos para tal. A inteligência e a facilidade com que percebe os movimentos e mais-valias dos colegas funciona a favor do jovem que, recorde-se, tem apenas 18 anos.

Iván Jaime

Depois da exibição desastrosa diante do Bodo/Glimt e da consequente perda de espaço nas opções de Vítor Bruno, Iván Jaime precisava de uma boa exibição para recuperar a confiança. É um jogador tecnicamente evoluído, com muita capacidade para furar defesas através do passe ou do drible curto e precisa, claramente, de se sentir valioso para ser espremido ao máximo.

Já jogou pelos três corredores e contra o Sintrense atuou no preferencial: o central. Pensando no plantel do FC Porto, é difícil de perspetivar um futuro de Iván Jaime por dentro (há Nico González, Rodrigo Mora, Fábio Vieira e a solução dos dois avançados), mas mostrou que pode ser lançado em terrenos mais centrais. Tem muita capacidade técnica em espaços curtos para rodar e superar adversários e acrescenta a definir perto da área adversária, seja no passe seja no remate.

Marcou um golo num lance bem demonstrativo da sua capacidade e habilidade em espaços curtos, disse presente e acabou o jogo à direita, já após várias mexidas. A titularidade provou que não há remorsos relativos à exibição na Noruega e que Iván Jaime está dentro das opções de Iván Jaime. Há muitos nomes na frente de ataque, mas nenhum com capacidade para atuar nas três posições atrás do ponta de lança o que, naturalmente, valoriza o espanhol.

Fábio Vieira

Parece estranho – porque o é – olhar para Fábio Vieira, por quem o Arsenal há poucos anos pagou 35 milhões de euros e ver o jogador a precisar de ganhar minutos e confiança diante do Sintrense. A verdade é que a lesão sofrida antes da estreia atrasou a adaptação a um ambiente familiar e deixou o português ainda com menos ritmo.

Trata-se, acima de tudo, de ganhar ritmo. Fábio Vieira não fez uma exibição espetacular como é seu apanágio e nota-se claramente que ainda joga limitado. Na segunda parte procurou «um mimo» dos fisioterapeutas e médicos do FC Porto e saiu pouco depois, claramente limitado fisicamente. O génio, esse, não saiu dos pés nem do corpo do português.

Na conferêcia de imprensa, Vítor Bruno confessou que Fábio Vieira jogou mais recuado do que o planeado. Foram várias as vezes em que o médio baixou no terreno e viu o jogo de frente, longe das zonas onde consegue ameaçar com mais perigo (na meia direita, armando o pé esquerdo e arriscando no último passe), mas mesmo assim originou o primeiro golo do FC Porto com um requinte técnico incompatível com a ausência de demonstrações de espanto. Os génios são assim. Mesmo passando longe do jogo, mostram que estão talhados para jogar sempre. E Fábio Vieira precisa de jogar para recuperar o ritmo. Não o que perdeu no mês lesionado, mas o que lhe faltou em duas épocas de pouca utilização.

BnR na Conferência de Imprensa

Bola na Rede: Hoje o Porto entra com desequilibradores com perfil diferente por fora e por dentro com o Galeno e o Gonçalo Borges, dois jogadores com muito ataque ao espaço e mudança de velocidade nos corredores, e com o Fábio Vieira e o Iván Jaime, dois jogadores de bola no pé e muita capacidade de passe em terrenos interiores. O que pretendeu com esta conjugação e pergunto-lhe se é esta a melhor maneira de enquadrar o talento no plantel ou se é uma fórmula que depende sempre das características do adversário?

Vítor Bruno: Claro que sim, nós não jogamos sozinhos. É preciso um par para dançar, temos de o encontrar e perceber se casamos com esse par, com determinado perfil da nossa parte. Aquilo que disse, da forma como coloca a questão, foi muito daquilo que procurámos. Foi ter gente que garantisse largura, que tivesse 1X1 forte, gente metida por dentro em linhas diferentes. O Fábio Vieira numa fase inicial estava demasiado baixo no campo e não era isso que tinha sido pedido. Pedimos que o Fábio estivesse numa linha mais alta, já a entrar na segunda fase de construção com o Martim [Fernandes] a meteu-se por dentro. Há pequenas nuances e dinâmicas no plano estratégico que não estavam a ser cumpridas na perfeição, depois corrigimos ao intervalo. Com a passada do [Iván] Jaime para o lado direito e a entrada do Danny [Namaso] para a esquerda, vindo o Martim mais por fora, começámos a tentar casar com os perfis dentro de campo. O [Rodrigo] Mora pede coisas diferentes, o [André] Franco também pede coisas diferentes no momento em que está mais baixo no campo porque é alguém que gosta sempre de apanhar o jogo de frente. Depois é tentar levar cada jogador, dentro daquilo que é o plano estratégico, para a maior zona de conforto, para que eles possam dar o melhor de si. A ideia foi essa, ter gente em zonas do campo diferentes e metidos por dentro, gente com capacidade para meter o colega na cara do golo com maior facilidade. Perante um adversário que sabíamos que ia estar mais estacionado atrás, a estrangular os espaços, e queríamos gente que está habituada a rodar em pouco espaço e definir com maior qualidade. Por isso metemos o Fábio e o Jaime numa zona interior do campo, mais alto e perto daqueles que podiam definir no último momento como o Fran Navarro, o Galeno, o Gonçalo Borges. Foi isso que pretendemos. Trabalhámos isso durante estas duas semanas, procurámos perceber que tipo de resposta davam porque é um cenário que pode ser usado no futuro, mas não há jogos iguais. Todos os jogos neste momento levam-nos ou transportam-nos para um grau de dificuldade elevado. Se analisarmos todos os resultados da eliminatória, percebe-se isso. Penso que houve uma equipa da Primeira Liga que ganhou de forma folgada que foi o Arouca [n.d.r: o Casa Pia também venceu por 5-0]. Tudo o resto foram diferenças de um golo, dois golos, três golos como hoje aqui. Hoje é tudo muito equilibrado. Toda a gente trabalha bem, toda a gente é ambiciosa e quer crescer na carreira, o que nos obriga a estar sempre num nível alto de rendimento. Foi aquilo que fizemos hoje, com nuances diferentes que podem ser utilizadas no futuro, dependendo nós do adversário e do que nos pede, podendo nós atalhar caminhos que no futuro podem ser importantes.

Bola na Rede: Pergunto-lhe pelas principais dificuldades para defender o FC Porto. O Vítor Bruno falava que esperava um bloco mais baixo e daí o Iván Jaime e o Fábio Vieira, ambos por dentro, algo que não costumamos ver tanto. Ainda assim, parece algo que na primeira parte o Sintrense conseguiu minimamente controlar, na segunda parte surgem mais golos. Pergunto-lhe se foi só o desgaste ou não e como foi lidar com essa mobilidade do FC Porto e com as alterações táticas?

Pedro D’Oliveira: Tudo o que foi a preparação do jogo do ponto de vista tático foi difícil. Perceber quem é que ia jogar, se pés fechados, se pés abertos na linha, e essa dificuldade demorou no início a encaixar. A partir daí tivemos coragem para perceber como era possível anulá-los como se fossem uma equipa da nossa realidade. Depois há especificidades que vamos desacreditado ao longo do jogo, é normal. Do ponto de vista tático tínhamos dinâmicas diferentes consoante a largura que davam o Galeno e o [Gonçalo] Borges. Queríamos que o Chiquinho acompanhasse sempre o Borges para não dar o 1X1 do Galeno sobre o lateral, com o Iván [Jaime] a vir mais baixo. Do lado esquerdo queríamos um bocadinho mais de coragem do Pipas para saltar na construção a um homem fora, o Dias saltar e acompanhar a rotura por dentro. Sempre que não o fizemos eles chegaram. Era difícil termos índices do que era a concentração nos 45′, mas acaba por ser uma aprendizagem. Percebemos que a grande diferença para as equipas lá de cima não tem a ver com a parte física ou técnica. Estive na distrital, vi golos de 40 metros e pontapés de bicicleta, tem muito a ver com o tempo de execução e pensamento. Olhamos para o FC Porto e vemos a comunicação, a assertividade nesses momentos e é completamente diferente. Com a maior humildade possível, desfrutámos ao máximo e vamos levá-lo para o nosso campeonato.