
André Reis é licenciado em Direito e pós-graduado em Marketing e Gestão do Desporto e portador do segundo nível de treinador. Encontra-se a frequentar o terceiro nível fora de Portugal. Com uma década de experiência e passagens pelos escalões de formação do Sporting, é atualmente treinador adjunto da seleção de São Tomé e Príncipe e dos lituanos do Babrungas Plunge. Em janeiro, assumiu a liderança da candidatura «ANTF ao serviço de todos os Treinadores», com um projeto de rutura face à atual gestão da Associação Nacional dos Treinadores de Futebol. Na sua visão, é urgente modernizar a estrutura, aproximar a ANTF dos seus associados e responder aos desafios dos treinadores portugueses que treinam em Portugal e no estrangeiro.
«Claramente não nos identificamos com a ANTF atual».
Bola na Rede (BnR): O que o motivou a avançar com a candidatura para a Associação Nacional dos Treinadores de Futebol?
André Reis: O impulso inicial surgiu da dificuldade que existe, atualmente, em aceder aos cursos UEFA A e UEFA PRO em Portugal. Atualmente, é muito fácil entrar num curso UEFA C E UEFA B, mas chegando ao UEFA B, a situação estagna. Ou vamos ao estrangeiro e temos possibilidades e recursos linguísticos para poder fazer o curso ou então estagnamos um pouco na carreira de treinador de Futebol em Portugal com UEFA B. No meu caso, acabei por concorrer a uma federação estrangeira porque, apesar de ser treinador-adjunto de uma seleção nacional africana, a de São Tomé e Príncipe, foi me dito que, por se tratar de uma seleção que não fazia parte dos top 25, não seria considerada para efeitos de critérios de admissão. Para todos os efeitos é uma seleção e, a meu ver, deveria contar tanto como um treinador-adjunto da seleção portuguesa. Mas a realidade é que eu tive essa possibilidade, falo línguas e tenho disponibilidade financeira para tal, mas nem todos os colegas têm essas possibilidades. Além da questão dos cursos, outro fator decisivo foi o comportamento da própria ANTF em situações como as do João Pereira no Sporting, do Ruben Amorim, do Silas ou do Moreno. Em vez de defender os treinadores, a associação chegou a apresentar queixas contra membros da sua própria classe, fossem associados ou não. São episódios que vivi de perto e que reforçam a necessidade de mudança.
BnR: Como é que olha para a ANTF na atualidade?
André Reis: Claramente que não nos identificamos com a ANTF atual. A associação deveria ser uma organização sindical, como está previsto nos estatutos, mas na prática tem uma atitude de uma ordem profissional que quer vigiar, condicionar e impedir o livre exercício da profissão. Essas situações não dignificam o futebol português e, na nossa opinião, a ANTF deve ter um papel proativo na criação de soluções para resolver os problemas dos treinadores. Há poucos dias foi divulgada uma lista de admissão de treinadores para o UEFA PRO e na sequência dessa admissão, tanto quanto estou informado, houve uma carta de uns 30 treinadores a manifestar o seu desagrado com a aplicação dos critérios de admissão à direção da ANTF. Sendo sincero, subscrevo inteiramente o que foi dito nessa carta e a realidade é que nos candidatamos para resolver todas essas questões presentes.
BnR: Que propostas quer apresentar para resolver os problemas que mencionou?
André Reis: Queremos alterar o regulamento de competições. Cada equipa técnica deve ser composta por um membro que tenha UEFA PRO, o que quer dizer que não é obrigatório ser o treinador principal. Com esta medida, queremos acabar com o “faz de conta” que hoje se verifica: Um treinador com nível 4 que aparece na ficha de jogo como treinador principal, mas que, na prática, desempenha apenas funções de adjunto. Estamos a enganar a própria competição e a desvirtuar a verdade desportiva. Durante o jogo, os verdadeiros treinadores não se podem levantar do banco, o que não faz qualquer sentido e em nada prestigia o futebol português. A outra solução, que já é feito em outros países europeus, passa por um acordo multilateral entre treinador, tutela da competição e tutela da formação em que a ANTF pode entrar, enquanto associação sindical, para garantir a execução do acordo ou mesmo no futuro enquanto entidade formadora. E digo isto porque a nossa solução para a falta de vagas passa por colocar a ANTF a ministrar cursos desde UEFA C até ao UEFA PRO e nesse acordo, a entidade formadora concede uma vaga supranumerária ao treinador que se encontra na situação de não ter a qualificação necessária para a prova em questão. A tutela da competição garante que esse treinador, em situação excecional, pode exercer a função como se já tivesse a qualificação e o treinador compromete-se a frequentar o próximo curso acedendo à vaga supranumerária. Caso o treinador seja despedido ou acabe por ir para um clube de uma competição inferior, perde o direto à vaga, mas ainda assim, é obrigado a concorrer e se for admitido é obrigado a frequentar o curso, sob pena de não poder usar novamente dessa norma de exceção. Eu acho que ambas as soluções, que podem ser complementares, são soluções muito mais transparentes e benéficas para o futebol e para a classe profissional dos treinadores do que ter uma associação constantemente a apontar o dedo e a dificultar o processo.
«Os critérios de admissão são altamente restritivos e injustos para com alguns colegas de profissão».
BnR: A sua candidatura representa uma rutura com os ideais da atual gestão da ANTF. Que aspetos do modelo atual considera ultrapassados e que, neste momento, são prejudiciais para os treinadores?
André Reis: Para além de haver poucas vagas, os critérios de admissão são altamente restritivos e injustos para com alguns colegas de profissão. O que acontece muitas vezes é que, uma pessoa por estar temporariamente em uma função de coordenador técnico de uma associação regional pode ter prioridade para com outros profissionais que, se calhar, são treinadores principais da Primeira Liga. Temos o claro caso do João Pereira, o treinador do Casa Pia que recentemente não foi admitido para o curso UEFA PRO. Os próprios critérios de admissão devem ser revistos, mas tem de ser sempre em complemento com o aumento de vagas para garantir o livre exercício da profissão. Para além disso, há outro critério que me causa estranheza é o impedimento de um treinador fazer a sua formação de forma contínua. Esta é outra situação que deveria ser pensada e proposta à UEFA, porque concordo que haja um estágio necessário para cumprir com a formação do treinador, o que não faz sentido é que depois de fazeres o UEFA C, tens de treinar mais uma época para aceder ao UEFA B. Não faz sentido nenhum. Se eu faço uma licenciatura e logo a seguir quiser fazer um mestrado e mais tarde um doutoramento posso fazer. Então eu sou a favor do treinador poder fazer uma formação toda seguida. Ou somos treinadores com condições de igualdade para prosseguir na carreira ou então não somos treinadores e somos outra coisa qualquer. Outra das situações que deve ser revista, mas mais ligado à parte administrativa são os próprios estatutos da ANTF. A situação mais gritante dos atuais estatutos não permite o voto descentralizado, isto significa que não é permitido o voto por correspondência, eletrónico ou pelos núcleos. Isto quer dizer que, na prática, treinadores como o Abel Ferreira, o Pepa, o Renato Paiva, Jorge Jesus, Vasco Faísca etc, que estão a trabalhar no estrangeiro, não vão poder votar porque têm jogo nesse fim de semana e não se vão poder deslocar ao Porto para ir votar. Ao contrário daquilo que tem sido dito por parte da candidatura opositora, eu não defendo que a ANTF deve ser para os treinadores desfavorecidos, é para todos os treinadores de condição de igualdade e causa-me alguma estranheza como é que a atual ANTF consegue realizar um fórum que permite que esses treinadores estejam presentes nesse evento, mas depois no exercício da democracia para a escolha de quem deve compor os órgãos sociais, não têm o cuidado de fazer com que esses treinadores tenham a oportunidade de votar. Parece conveniente fazer as coisas à pressa num fim de semana onde há jogos e onde não haverá a participação do maior número de associados possível. Queremos modernizar as práticas para que o treinador se sinta protegido.
BnR: Quando fala em «modernizar as práticas para que o treinador se sinta protegido», do que é que estamos a falar, concretamente? Que tipo de proteção sente que falta atualmente?
André Reis: A meu ver falta todo o tipo de proteção. É certo que a ANTF fornece apoio jurídico aos associados, mas esse apoio jurídico não vai de encontro aquilo que deveria ser o apoio jurídico de um sindicato visto que a ANTF é, na sua génese, um sindicato. Atualmente, a intervenção jurídica da ANTF resume-se a encaminhar o contacto de um advogado ao treinador, sendo este depois responsável por suportar os custos do serviço, mesmo tendo as quotas em dia e estando a recorrer à sua associação sindical. Uma das questões claras é a reforma do apoio jurídico da associação e o que estamos a viabilizar é um apoio jurídico em duas vertentes: o que estamos a propor é diferenciar entre o sócio e o sócio sindicalizado, ou seja, passará a ser possível um treinador inscrever-se enquanto sócio da associação e ter acesso a regalias, como, por exemplo, parcerias com lojas desportivas, parcerias com clubes, bolsas de emprego para treinadores e apoio mais prático, apoio mais social de treinadores que necessitem. Esses seriam associados, se esses associados não sindicalizados quiserem o apoio jurídico acontece como está a funcionar agora. Não que o treinador tenha de adiantar dinheiro, mas haveria uma partilha dos custos do advogado da associação e o associado. No caso dos associados sindicalizados, ou seja, aqueles que pagam a taxa extra porque estão a trabalhar e querem ser sindicalizados, o acesso ao apoio jurídico tem de ser completamente gratuito e tem de ter o apoio da própria direção da associação. A associação deve constituir-se como assistente no processo que se está a desenrolar nas negociações em causa. O que os treinadores hoje em dia precisam é de alguém a quem recorrer quando tem problemas nos clubes e desengane-se quem acha que os treinadores não têm problemas nos clubes. Eu próprio já tive de recorrer ao apoio jurídico da ANTF, e por isso falo com tanto conhecimento de causa. No meu caso não prestaram um bom serviço, tanto que tive de contactar um advogado fora da esfera da ANTF para me resolver o problema. É preciso um pouco mais de vontade de ajudar os treinadores e é isso que queremos fazer, ser um ouvido ativo e proativo. Queremos festejar os sucessos dos nossos treinadores, mas mais importante que isso, queremos estar presentes nos momentos de necessidade para que eles nos possam recorrer e verem os seus problemas resolvidos.
BnR: O acesso aos cursos sobretudo UEFA A e UEFA PRO tem gerado alguma polémica, como vimos recentemente no caso do João Pereira, no Casa Pia. Que medidas propõe para garantir que todos os treinadores tenham igualdade de oportunidades?
André Reis: Queremos alargar as oportunidades de acesso para criar igualdades de oportunidade. O objetivo é efetivamente, através do alargamento das vagas e da alteração dos critérios de admissão, torná-los mais equitativos. O mercado deve funcionar em função do mérito, se o clube reconhece mérito aquele treinador, tem de ser apoiado, mas claro, em condições de igualdade para ninguém ser injustiçado. Também estamos a estudar a possibilidade de limitar as reinscrições de treinadores que são despedidos na mesma competição. Já chegou a haver casos de treinadores comandarem três ou quatro equipas numa mesma época, o que quer dizer que acabaram por ocupar a vaga de outros 4 treinadores. Obviamente que quando as cláusulas de rescisão são pagas pelos clubes e o treinador não tem qualquer influência são questões totalmente diferentes, essa limitação de reinscrição não faz qualquer sentido. Havendo mais treinadores UEFA A e PRO portugueses com as devidas qualificações também estamos a criar mais oportunidades para os treinadores portugueses no estrangeiro.
BnR: A ANTF está a operar com estatutos que muitos consideram desatualizados. Qual é a sua posição em relação à sua revisão? Que pontos considera essenciais a alterar para que a ANTF responda melhor aos desafios atuais da profissão?
André Reis: Os estatutos estão claramente desatualizados até porque os estatutos que existem atualmente, são os mesmos estatutos de quando a associação foi fundada. Com isto não quero dizer que o que se fez foi mal feito, a realidade é que os estatutos naquela altura serviam os interesses dos treinadores, hoje em dia já não, e é necessário reconhecer isso. Tenho inúmeros pontos que quero alterar no meu programa eleitoral em relação à parte dos estatutos e vou destacar alguns. Primeiro e parecido ao modelo das câmaras municipais, é a limitação de três mandatos consecutivos de um presidente, e quero que seja aplicado já no meu primeiro mandato. Para além disso, em consonância com este ponto, também entendemos que os mandatos devem ser alargados de 3 para 4 anos. Não é para o presidente estar lá mais tempo, mas sim para coincidirem com os mandatos da FPF porque acho que o trabalho da ANTF deve ser um trabalho desenvolvido em estreita parceria com a FPF. Se os mandatos coincidirem garante que as ideias de ambas as direções são seguidas até ao final do mandato de ambos. Queremos alargar a direção no sentido de manter os 15 membros que compõe atualmente a direção, mas acrescentar inerências enquanto vice-presidente aos presidentes dos núcleos. Acho que é importante ter os núcleos como voz ativa na direção da associação. Com isto, queremos atribuir capacidade eleitoral ativa aos núcleos, visto que, no meu entender, neste momento os núcleos não têm utilidade prática. Alguns até desenvolvem atividade e tem trabalho de proximidade com os treinadores dos respetivos distritos, mas não tem benefício nenhum junto da ANTF. Nós queremos ter os núcleos muito mais envolvidos na gestão e no dia a dia da Associação porque entendemos que os Núcleos são fundamentais no que diz respeito às políticas de proximidade com os treinadores. Queremos também alargar a rede de núcleos e a realidade é que, através de alguns contactos, já estou na condição de dizer que estamos em condições imediatas de criar mais 50% dos núcleos que já existem. Não requer assim tanto trabalho, mas sim força de vontade. Estamos já em condições de criar núcleo nos Açores, na Madeira e em Santarém e queremos trabalhar afincadamente para, no futuro, ter um núcleo em cada distrito ou na maioria deles. Naturalmente que a nível estatutário também queremos prever a descentralização do voto e que passe a ser possível votar nos núcleos, votar por correspondência e criar uma base estatutária para que venha a ser possível também votar eletronicamente. Também queremos organizar melhor a estrutura da associação e passar a ter vice-presidente, secretário-geral e vogais até porque a ANTF atual é composta por 1 presidente e por 14 vice-presidentes.
«Pretendemos combater esse tratamento desigual com um acompanhamento mais próximo e atender aos problemas dos treinadores do estrangeiro».
BnR: Tem havido críticas à forma como os treinadores portugueses no estrangeiro são tratados, sentindo-se muitas vezes em desvantagem em relação aos que estão em Portugal. Partilha desta visão? Como pretende combater esta desigualdade?
André Reis: Em termos de associação há uma desigualdade clara, basta a questão do voto que falei há pouco, os treinadores que estão no estrangeiro não vão ter a oportunidade de votar. Depois o acompanhamento que é dado aos treinadores no estrangeiro passa apenas por assinalar as conquistas e os sucessos dos treinadores. Isto não é apoio. Uma das coisas que queremos fazer para esses treinadores é um núcleo virtual da ANTF dedicado aos treinadores portugueses no estrangeiro, naturalmente sem uma sede física, mas pelo menos uma plataforma onde esses treinadores possam falar entre eles e onde haja uma ligação à ANTF mais próxima. Para além disso, vamos ter uma vice-presidência que será ocupada pelo professor Guilherme Farinha, que já desenvolveu muito trabalho no estrangeiro. Nesse sentido, pretendemos combater esse tratamento desigual com um acompanhamento mais próximo e atender aos problemas dos treinadores do estrangeiro de igual forma aos treinadores que trabalham em Portugal. Ou seja, desde que sejam associados e cumpram da mesma maneira que cumprem os que estão em Portugal tem o direito de ter as mesmas ajudas, defesas e regalias que os treinadores que estão em Portugal. Todos nós sabemos que trabalhar no estrangeiro carece sempre de um período de adaptação e o que nós queremos fazer nesse sentido é ter um treinador que contacte a ANTF quando precise.
BnR: Que mensagem gostaria de deixar aos treinadores portugueses, especialmente àqueles que neste momento sentem que a ANTF já não os representa?
André Reis: O dia 31 de maio será um dia extremamente importante e decisivo no futuro da ANTF. O nosso objetivo é dar um novo rumo à ANTF e criar uma associação virada para o futuro e dedicada aquilo que é a sua missão estatutária de defender, sem exceção, todos os treinadores portugueses. E com todo o respeito, estará em causa escolher a candidatura de Henrique Calisto que contém um grupo de treinadores que, na sua maioria, já nem se quer estão no ativo e não sentem os problemas da classe do dia a dia e a nossa candidatura completamente oposta, composta por treinadores que estão maioritariamente no ativo e que sentem na pele os problemas dos treinadores, que lutam para eles próprios acederem a cursos UEFA A e UEFA PRO e que reconhecem efetivamente os problemas reais dos treinadores atualmente.
As eleições para a presidência da Associação Nacional dos Treinadores de Futebol estão marcadas para o dia 31 de maio de 2025. Henrique Calisto e André Reis são os candidatos.