Um ser humano sozinho no meio do court. Um tenista tendo de resolver problemas sem auxílio exterior, um gladiador lançado à arena, forçado a calcular possibilidades, a imaginar soluções, a desenhar estratégias, tudo feito individualmente. Um combate rodeado de solidão.
Era isto o ténis. Era.
Desde 2017, a ATP e a WTA, entidades que dirigem os circuitos profissionais masculino e feminino, têm testado novas abordagens ao coaching, à possibilidade de os treinadores darem indicações aos donos das raquetes durante os encontros. Longe vão os tempos em que um diálogo entre Serena Williams e Patrick Mouratoglou levou Carlos Ramos a sancionar a lendária tenista, durante a final do US Open 2018, espoletando uma monumental discussão entre Serena e o árbitro português.
A permissividade para com o coaching tem vindo, gradualmente, a aumentar, com mais e mais torneios aceitando a prática. Vozes como Roger Federer sempre criticaram a mudança de uma das regras sagradas do ténis, como o suíço expressou em Wimbledon, em 2019, quando se manifestou “completamente contra” a introdução do coaching, indicando que a solidão dos jogadores “é o que faz a diferença no ténis”, considerando que se deveria valorizar “a capacidade que cada um tem de ter de resolver os seus problemas sozinho, sem ajudas exteriores”.
Ora, a partir de 1 de janeiro de 2025, a tal solidão deixará, definitivamente, o ténis. A federação internacional da modalidade aprovou um aprofundamento das regras do coaching, permitindo, basicamente, uma comunicação quase constante entre jogador e treinador.
De acordo com as novas normas, os técnicos poderão dar indicações — verbais ou através de gestos — em qualquer altura do encontro, com exceção de quando os pontos estiverem a ser disputados, ainda que se estipule que essas instruções devam ser “breves e discretas” e que o diálogo só pode decorrer quando tenista e treinador estiverem do mesmo lado do court.
Uma das maiores novidades é que poder-se-á recorrer a “tecnologias de análise de jogo”, não sendo detalhados os formatos autorizados. Teremos no ténis o recurso a ecrãs para mostrar pormenores táticos, ao estilo de modalidades coletivas?
A federação internacional (ITF) justifica estas mudanças alegando que há o objetivo de “unificar as regras do coaching” a nível internacional, pretendendo-se, ainda, retirar aos árbitros a responsabilidade de estarem a “controlar as atuais restrições” à comunicação dos técnicos. Diz-se ainda que estas alterações ajudarão ao “desenvolvimento dos jogadores" e tornarão o ténis “mais justo e entretido”.
Mas não é só Roger Federer que está contra o fim da solidão. Mal a notícia saiu, Denis Shapovalov, 95.º do ranking ATP e antigo 10.º da hierarquia, escreveu que as novas regras o deixam “triste”. “O ténis é especial porque estás sozinho. Por que estão a tentar mudar a beleza deste jogo?”, questionou o canadiano.
John Millman, veterano australiano, também mostrou a sua discordância. Taylor Fritz, sexto do ranking, foi outra voz discordante, no caso em 2022: “O ténis é uma modalidade individual, estamos a mudá-la porquê? O ténis é tão físico quanto mental, e parte disso é porque tens de encontrar soluções sozinho quanto estás no court. É ridículo que, se não fores tão forte mentalmente, tão bom a analisar ou tão perspicaz a criar estratégias, possas ter alguém a dizer-te sempre o que fazer”, opinou o californiano.