Nós sabemos, caro leitor. As sucessivas paragens para as seleções são, para o comum adepto de futebol, pouco entusiasmantes. Perante este cenário, cabe ao jornalismo encontrar pontos de interesse nestas pausas, sendo que, neste caso em específico, essa tarefa não foi difícil.
Aproveitámos a boleia do Portugal-Polónia para mergulharmos nas infinitas páginas do zerozero. Abrimos a página do campeonato principal polaco, vimos o plantel do líder e encontrámos um português. Aliás, dois - estamos mesmo por todos os cantos do mundo!
Se, há cerca de um ano e meio, falámos com o lateral Joel Pereira, agora sentimos que seria a altura ideal para conversar com Afonso Sousa. O médio centro, formado no FC Porto e numa família onde o futebol corre nas veias, está on fire no Lech e falou-nos de tudo: da formação até à Ekstraklasa, da seleção à família.
Uma conversa simples, sincera, descontraída e que nos fez pensar: ainda bem que existe a paragem de seleções!
Sem arrependimentos: obrigado, Polónia!
zerozero: Recuando até 2022, como encarou a possibilidade de se mudar para um campeonato mais periférico como o polaco?
Afonso Sousa: No início, admito que estava um bocadinho reticente. Não seria a minha primeira escolha, mas era um clube que se enquadrava nas minhas ideias de lutar por títulos e jogar em competições europeias. Depois, é um clube grande, com um ambiente fora do normal. Após ter vivenciado isto aqui, fiquei contente com a minha decisão.
ZZ: Ainda sobre esse início, como foi a adaptação ao país? Acreditamos que, a nível futebolístico e cultural, seja muito diferente de Portugal.
AS: Sim, completamente. Para mim, o início foi muito difícil... Principalmente, o frio. Acho que ainda não me habituei. Já cheguei a treinar com menos 13 graus... Depois, além do clima, as pessoas também são muito frias, muito menos abertas que os portugueses. Foi diferente, mas tive de me habituar e foi isso que tentei fazer no meu primeiro ano/ano e meio por cá. Acho que já estou bem ambientado.
ZZ: Anteriormente, falou em títulos e, de momento, estão em primeiro lugar. Estão bem encaminhados para conquistarem um...
AS: Sim, sim. Foi um bom começo. Aliás, nos últimos dois anos, a pressão dos adeptos tem sido muito essa. O Lech é um clube grande, que quer ser sempre campeão aqui na Polónia. Este ano está a correr-nos bem e espero que acabe assim.
ZZ: Do que nos parece, o campeonato polaco acaba por ser mais ou menos semelhante ao português, com duas ou três equipas a lutarem pelo título e a uma distância considerável das outras. É assim? São campeonatos semelhantes?
AS: Sim. é mais ou menos assim. Aliás, em Portugal, o Sporting entrou verdadeiramente na luta há três/quatro anos, mas antes a corrida estava destinada a dois - no máximo três - clubes; aqui, a luta pelo título inclui mais equipas: há o Lech, o Legia, o Raków, o Jagiellonia... O Pogon é do género do SC Braga, que acaba sempre por lutar pela Europa, mas sem o objetivo de ser campeão.
Mas também há algumas diferenças. Aqui, qualquer equipa que defrontes, principalmente se fores jogar fora, é sempre muito difícil, mesmo que seja contra o último classificado. Se jogares em Portugal contra clubes do meio da tabela para baixo, por norma, não vês muitas pessoas no estádio. Cá, jogas contra essas equipas e tens 15/20 mil pessoas no estádio.
ZZ: Assim é muito mais entusiasmante.
AS: E acaba por fazer diferença nos resultados dos jogos. A Polónia é um país grande, com estádios belíssimos e estes ambientes acabam por trazer competitividade também.
ZZ: Sem querer agoirar, está bem encaminhado para realizar a melhor época pessoal a nível de números (Afonso tem cinco golos e quatro assistências em 16 jogos). Sente que, além dos números, este é mesmo o melhor momento enquanto profissional?
AS: Sim. É, sobretudo, o momento onde me sinto melhor em campo e tenho encontrado a minha felicidade a jogar futebol, algo que tinha perdido há uns anos. Passei por momentos difíceis a nível pessoal e profissional. Felizmente, este ano encontrei estabilidade mental, o que me ajudou bastante em campo. Os novos treinadores que vieram, na minha opinião, são de alto nível e ajudaram-me bastante. Encontrei o meu futebol outra vez e estou muito feliz por isso. Agora, espero que isto não seja só um bom início de época. Que o bom momento se prolongue.
ZZ: Desejamos o mesmo.
AS: Obrigado!
ZZ: Esperava ficar tanto tempo na Polónia? Está aí há quase três anos e tem contrato até 2026...
AS: Tinham-me avisado que, na Polónia, ia precisar de me ambientar primeiro e só no segundo/terceiro ano é que me ia sentir mais «Afonso». Na realidade, foi mesmo isso que aconteceu. Se me perguntassem se, há dois ou três anos, eu queria assinar por tanto tempo, diria que não. No entanto, hoje sei que foi a melhor decisão que tomei porque ao terceiro ano encontrei-me verdadeiramente e estou muito feliz. Não tenho nenhum arrependimento, só tenho a agradecer.
ZZ: Ricos conselhos, portanto.
AS: É verdade!
ZZ: Com o contrato a terminar em 2026, já pensou sobre o futuro? Um regresso a Portugal é algo a considerar?
AS: Sinceramente, agora faço as coisas de forma diferente. Penso mais no dia a dia e não no futuro. Noutras épocas, ficava muito preocupado com o futuro e em dar o próximo passo. Agora, estou muito feliz aqui e a equipa está bem. Queremos o título e esse é o nosso foco. No final da temporada, logo se vê o que pode acontecer. Claro que todos os jogadores sonham em jogar noutros níveis. Eu sou igual, mas reforço: estou muito feliz aqui e, por agora, é onde me quero focar.
Um ex-dragão que merece elogios de todos
ZZ: Se o regresso a Portugal não acontecer no futuro, acontece nesta conversa: no currículo tem imensos anos de FC Porto, sempre com muitos jogos e com destaque nas respetivas equipas; como foram esses tempos? Há um amargo de boca por nunca ter representado a equipa principal do FC Porto?
AS: Há, foi algo que ficou para sempre comigo. Foi onde cresci e vivi muitas coisas positivas, onde aprendi a maioria das coisas que sei hoje. Obviamente, qualquer miúdo que jogue na formação de um clube grande tem como sonho representar a equipa principal. Eu, infelizmente, não consegui ter esse gosto, apesar da caminhada bonita e enriquecedora que fiz na formação. Isso ficou muito na minha cabeça, sobretudo quando era mais novo. Agora, já não é algo que pense tanto. Acho que as coisas têm de ser como são e assim foi.
ZZ: Se virmos os vídeos da sua ficha no zerozero, existem muitas conferências de treinadores da BSAD a mencionarem o seu nome; o mister Petit disse que você era um miúdo com muito futuro, o mister Filipe Cândido destacou a polivalência, que podia ser um 10, um falso extremo ou um 2º médio e o mister Franclim Carvalho disse que você era o médio que entendia melhor o jogo... Qual é o segredo para receber tantos elogios de tantos treinadores diferentes?
AS: (risos) Eu agradeço. Sempre tive excelentes relações com todos os treinadores que apanhei em Portugal. Fico muito contente por saber que os treinadores gostam de trabalhar comigo, eu gostei de trabalhar com todos eles. Sobre os elogios, não sei (risos). Tento trabalhar sempre muito e bem, depois a qualidade acaba por aparecer.
[N.d.r: face a um ataque informático que o zerozero sofreu há uns anos, os vídeos não estão disponíveis; contudo, restam os títulos dos mesmos]
ZZ: Sobre a declaração do mister Franclim, considera que entender o jogo é a sua melhor característica?
AS: Sim. Com o passar dos anos, acho que passei a entender cada vez melhor o jogo. Algo que não gosto de ver hoje em dia é, em alto nível, jogadores com excelentes qualidades a não decidirem bem e a tomarem decisões infelizes nos momentos-chave do jogo... Mas sim, acho que é uma qualidade que tenho: perceber os momentos, quando é que tenho de acelerar, de pausar, etc. Com o passar dos anos e com a maturidade aprimorei isso, mas foi algo que sempre tive desde miúdo.
O pilar: a família
ZZ: Aqui pelo meio também há uma declaração de um treinador chamado Ricardo Sousa, não sei se conhece (risos); disse que você, desde pequeno, nunca lhe ganhou em nada. O registo continua assim? Nem uma vez no FIFA ou numa peladinha no jardim?
AS: (risos) Não, não, não. Ele esteve aqui há uns dias, a ver o jogo contra o Legia...
ZZ: Jogo onde bisou.
AS: Esse mesmo! Ele esteve aqui, jogámos várias coisas e fico muito triste por ele, por ter ido embora sem ter ganho em nada (risos). Ele devia dizer isso, mas era sobre quando eu tinha cinco/seis anos. Era a única altura em que ele me vencia em algo.
ZZ: Maravilha (risos). Crescer nessa família tão ligada ao futebol ajudou, certamente, a fazer crescer essa paixão e jeito pela modalidade.
AS: Eles nunca me forçaram a nada, mas obviamente que, ao acompanhar o meu pai desde pequeno e ao ir a jogos, o bichinho nasceu com naturalidade. O meu pai está muito ligado à minha carreira e dá-me muitos conselhos. No início, foi um pouco difícil para mim, pelas comparações e tudo mais, mas hoje é algo com o qual gosto de viver e, sinceramente, não trocava por nada. É fantástico ter duas pessoas importantes no futebol português [pai e avô] a ajudarem-me diariamente.
ZZ: Mesmo estando na Polónia, as visitas familiares são comuns? O pai acompanha muito?
AS: Acompanha! Vê todos os jogos e, inclusive, dá-me muito na cabeça (risos). É muito crítico, mas acompanha bastante e vem aqui várias vezes. Felizmente, na última vez que veio cá, viu um excelente jogo, com o estádio cheio e isso, para mim, foi um momento especial e bonito.
ZZ: É o maior pilar na sua carreira, acreditamos nós.
AS: Sim. Tanto ele como a minha mãe - vivi com a minha mãe a maior parte do tempo, até aos 13 anos, antes de ir para a academia -, são os meus dois maiores pilares.
Por fim, o Portugal-Polónia
ZZ: Virando o foco para a carreira internacional, nessa altura de FC Porto e B SAD, somou 31 internacionalizações pelas camadas jovens. 31 jogos especiais, não?
AS: Sim, jogar por Portugal é sempre uma sensação fantástica. Tive a possibilidade de fazer muitos jogos pela seleção e de fazer um campeonato da Europa sub-21. É impossível de colocar em palavras, estamos a representar o nosso país, a nossa família e amigos. Foi algo que sempre trabalhei para conquistar e vai continuar para sempre no meu coração.
ZZ: Mesmo que não seja a curto prazo, o desejo de representar a seleção A deve estar sempre presente...
AS: O sonho está sempre de pé! Inclusive, o meu amigo de infância Samuel Costa estreou-se recentemente pela seleção. Portanto, resta-me acreditar. É um sonho que tenho.
ZZ: Sobre o jogo de sexta-feira, a Polónia tem três jogadores do Lech na convocatória: Bartosz Mrozek, Michal Gurgul e Antoni Kozubal. Há algum que queiras destacar?
AS: Para mim, desses três, o que me deixa mais impressionado é o Kozubal. É um oito que também pode jogar a seis. Um miudinho de 2004, se não estou em erro, que tem muito talento. Já joguei com muitos jogadores que estão num excelente nível, por isso digo que o Kozubal consegue chegar a patamares superiores. É um médio cheio de talento e, se tiver a oportunidade de se estrear pela seleção contra Portugal, todos vão comprovar e apreciar o jogador que é.
ZZ: E, por fim, a vida na Polónia tem sido boa, mas esta sexta-feira Portugal é mais do que favorito, não?
AS: Claramente. Tenho brincado com alguns colegas de equipa, a dizer que eles não têm hipótese de ganhar, por isso espero que a seleção faça a sua parte (risos).