O futebol, na sua única e poderosa dimensão desportiva e social, reserva-nos frequentemente momentos que o valorizam e que o vêm reafirmar como a mais popular e influente modalidade desportiva no nosso país. E bem precisa que tal aconteça, já que, na voragem atual da pressão mediática, se concede por regra primazia e distinção de primeira página a casos ou incidentes que lhe tentam conferir uma imagem menos positiva.

Bem pode dizer-se que tudo tem de ser entendido como uma verdadeira “ditadura” das audiências, audiências essas que os meios de comunicação social procuram garantir em contexto de implacável concorrência - jornais desportivos e generalistas, programas diários de debate televisivo, plataformas online, etc. Sabe-se também que essas audiências se ganham mais facilmente através da exploração das desgraças que da publicitação dos êxitos... é a vida!

São também os muitos interesses cruzados, num mundo do futebol cada vez menos espontâneo e mais pré-determinado, cada vez mais delineado pela condicionante própria da atividade económica global, sujeita a regras e situações nem sempre saudáveis ou transparentes. No caso do futebol, como em algumas outras modalidades, esta condicionante tem ainda a “agravante” de ser o futebol um “negócio” posto à prova semanalmente, em jogos de vitória ou derrota.

1 - Vem esta reflexão a propósito de dois muito recentes casos de grande carga positiva para a imagem do futebol português. O primeiro deles, já aqui mencionado e elogiado anteriormente, tem a ver com a decisão do FC Porto de publicar, no que chamou de Portal da Transparência, a mais relevante informação sobre matérias económico-financeiras, organizacionais e contratuais disponíveis aos seus associados ou acionistas, mas também ao público em geral.

Voltando a explicar, o clube publica nesta plataforma, por exemplo, as remunerações de todos os seus órgãos sociais, a lista de fornecedores principais, as dívidas a fornecedores, e o mapa de entradas e saídas dos seus jogadores profissionais, com os valores de cada contrato, custos de passe, indemnizações a clubes, comissões de intermediação, etc. Ou seja, matérias que provocavam a desconfiança de muitos pela opacidade e especulação, são agora, pela corajosa vontade e sentido de responsabilidade do clube, partilhadas e reveladas de forma transparente.

Honra ao FC Porto por ser o primeiro a dar este excelente exemplo. E já lá vão 2 meses. Tempo suficiente para outros se lhe juntarem. Desde logo os seus mais acérrimos concorrentes. Afinal, o mercado aberto e competitivo do futebol manda que regras comuns de verdade e transparência sejam respeitadas por todos. Quem seguirá o FCP neste louvável caminho?

2 - O segundo caso que veio recentemente enobrecer o futebol português tem um nome - Ruben Amorim. Bastava o facto de um jovem treinador português ser chamado a trabalhar num dos maiores e mais ricos clubes do mundo - o Manchester United - para que o futebol português sentisse orgulho justificado. Não é o primeiro a ter esse privilégio pois felizmente, e em abono do futebol português, muitos treinadores nacionais têm sido reconhecidos e contratados pelas grandes equipas e campeonatos do futebol europeu e mundial.

Mas, desta vez, a contratação acontece com o campeonato nacional ainda em fase inicial e depois de prometido por todos, e também por ele próprio, uma luta vencedora de mais um título. Mais ainda, quando tudo corria tão bem para o mundo “leonino”, que não viu até agora outra coisa que não fossem vitórias. Tudo a exigir um “Não” a qualquer possível movimento de ajuste ou mesmo desmantelamento duma equipa que ganha, seja treinador, jogadores ou até mesmo direção.

Mas aconteceu. O mundo do futebol é um mundo global. Os feitos do Sporting de Amorim - 5 títulos em pouco mais de 4 anos - não enganam. Este treinador, e também a pessoa, é do melhor a que qualquer clube pode aspirar. E quando se trata do Manchester United a coisa “pia fino” e era, por isso, inevitável a saída para Inglaterra.

Frederico Varandas e a família sportinguista perceberam. Dormiram mal certamente. Terão mesmo sonhado que podia não ser bem assim. Até podia ser que Amorim não quisesse ir e continuasse campeão no Sporting. Ou então, tendo mesmo de ser, que fosse mais tarde. Mas quando acordavam para a realidade compreendiam que o seu campeão ia mesmo embora. Ora, quem faria diferente a Ruben Amorim se fosse desafiado, depois de já ter feito tanto no Sporting, a ir para Manchester? Arrisco, ninguém…

E, por tudo isto, foi muito bonito ver os sócios no estádio a aplaudir, chorando, uma equipa a despedir-se do seu líder, chorando também. E, creio eu, todos os portugueses a sentirem a beleza humana de tal momento. E Amorim dizia, naquele seu ar sincero e generoso: “…quando aqui cheguei muitos não gostavam de mim porque era do Benfica e era caro”, e confessava: “...nunca pensei gostar do Sporting desta maneira”.

Bonito e exemplar. Que fique para a memória do futebol português este sensível momento, como um exemplo sublime que o (sempre malfadado!) futebol deu à nossa sociedade do modo como a compreensão, o respeito e a solidariedade devem imperar na relação entre pessoas e instituições. Boa sorte, Ruben Amorim, e obrigado pela brilhante contribuição ao futebol nacional e agora também por este belíssimo exemplo de desportivismo genuíno por parte sua, do clube e dos seus adeptos!