Na passada semana, a Confederação do Desporto de Portugal (CDP) apresentou publicamente um estudo sobre o valor do desporto português, o seu financiamento e o seu futuro. Este estudo, que as páginas do Expresso já haviam lançado dias antes, revela um conjunto de dados e considerações relevantes para quem deva ou pretenda refletir sobre os caminhos próximos do desporto em Portugal.

Claro está que, tratando-se de uma avaliação do financiamento do desporto, o principal eixo de estudo alinha-se na relação entre o Estado (leia-se financiamento público) e o movimento associativo desportivo. É por demais evidente que a esmagadora maioria das organizações do desporto dependem deste financiamento. E dependem dele em dois planos: o nacional e o local.

No plano nacional, vem sendo incumbência do Estado, por via da tutela governamental do desporto, disponibilizar financiamento para garantir o bom funcionamento das estruturas desportivas de topo tais como as federações desportivas, os comités Olímpico e Paralímpico, a Confederação e a Fundação do Desporto e outras, além das agências públicas de combate ao doping ou à violência no desporto. Isto acompanha-se também com financiamento a programas nacionais como o Desporto para Todos, o Plano Nacional de Ética, ou mesmo com os apoios extraordinários para a realização em Portugal de eventos desportivos de nível internacional.

No plano local, é inquestionável que se deve ao compromisso das autarquias locais (e também das autoridades regionais dos Açores e Madeira) a sobrevivência possível das estruturas desportivas de base, dos clubes e das associações desportivas. Pode dizer-se que não há nenhum destes em Portugal que não receba do seu município apoio financeiro para a sua atividade regular, para transportes, inscrições de atletas, sedes sociais, e sobretudo na disponibilização de instalações desportivas. Neste caso, estas ou são mesmo propriedade da autarquia ou, sendo de clube, sempre a autarquia participa com meios para a sua construção ou pelo menos manutenção.

Tudo isto para dizer que é vastíssimo o acervo de contributos públicos para a atividade desportiva e que, sendo legítima a reivindicação de mais investimento no desporto, como se conclui neste estudo da Confederação, não deixa de ser verdade que no dia em que todos os contributos públicos se somarem, não envergonhará (no contexto dos limites dos recursos escassos disponíveis no país) o montante já dispensado à atividade física e desportiva.

Traduzindo em números, e sempre acompanhando este estudo, verifica-se que, com dados reportados ao ano de 2022, o financiamento público direto do Estado às 61 federações desportivas foi de 34,8 milhões de euros, sendo que as 10 maiores federações recebem mais de 23 milhões (cerca de 70% daquele montante) e as 20 mais pequenas pouco mais de 1 milhão de euros (cerca de 3% do financiamento total). Pelo meio ficam 30 federações a quem são financiados 11 milhões de euros. A estes financiamentos acrescem os provenientes das apostas desportivas Placard e online, que em 2022 significaram um montante global de 61,6 milhões de euros, com a seguinte distribuição: 60,5 milhões para 5 federações (cerca de 95% do montante) sendo que os restantes 5% (ou seja, 1,1 milhão) vão para 16 federações, e as restantes 40 não recebem nada.

Estes números evidenciam um velho e permanente desequilíbrio no financiamento público ao desporto que resulta não apenas da conhecida diferente dimensão das modalidades - o que é não apenas inquestionável, mas também justificável - mas também uma rigidez nos critérios de financiamento que, privilegiando o histórico de financiamento, não conferem valoração justificada a processos de crescimento e desenvolvimento que muitas apresentam. Claro que é talvez mais fácil manter este quadro e, sendo possível, aumentar a todos por igual, mesmo que pouco. Mas sendo porventura mais fácil não deixa de ser injusto.

E, se a este desequilíbrio crónico juntarmos os efeitos mais recentes dos financiamentos das apostas desportivas online e Placard, então caminhamos para um afunilamento do processo de financiamento público ao desporto com variadas e graves consequências.

Por tudo isto, o estudo da CDP agora apresentado também conclui pela necessidade de “reforçar o financiamento no OE 2025, aproximando o investimento per capita no Desporto da média europeia (119 €)”, e aconselha ainda que importa “criar um mecanismo de compensação/solidariedade para o conjunto das federações não beneficiárias dos montantes provenientes das Apostas Desportivas”.

Não poderia estar mais de acordo. Estas realidades convocam - para reflexão, mas também para decisão - não apenas as autoridades governamentais, mas toda a comunidade desportiva, olímpica, paralímpica e federativa, em defesa do nosso modelo de desporto que assenta nas organizações de base que são os clubes, na verticalidade e abertura das competições, e na solidariedade de todo o sistema.

Lembremo-nos que existe uma componente social que é intrínseca à promoção da prática desportiva. E, sendo assim, em matérias de apoio ou financiamento, proporcionalidades atuais e reais têm de ser sempre equilibradas com as proporcionalidades futuras e “ideais”. A função governativa é uma função de gestão permanente, mas também uma função de planeamento - deve estar bem assente nas necessidades presentes, mas ter também a visão necessária para vislumbrar potencialidades futuras e assim, não só corrigir os desequilíbrios sempre que vão surgindo, como também os saber prevenir. Assim aconteça!