Razoavelmente ultrapassados os rigores da pandemia e da consequente crise geopolítica, a Nestlé Portugal fechou o último ano com uma faturação de 711 milhões de euros, um crescimento de 5,5% relativamente a 2022, que a CFO da companhia explica ter sido conseguido com um forte impulso das vendas de marcas nacionais. "Os produtos que fazemos e vendemos aqui, como Buondi e Sical, mas também o Nestum e a Cerelac, tiveram uma evolução particularmente boa, aumentando vendas em 7,5%", concretiza Silvia Balcells, numa entrevista exclusiva ao SAPO. "Estamos no retalho e no fora do lar e ambos os segmentos cresceram em 2023, tendo-se conseguido estabilizar sobretudo o negócio fora do lar após os terríveis anos da pandemia." A evolução registou-se também nas marcas globais, com a responsável a destacar a contribuição da nova máquina Nespresso, Vertuo, e o lançamento dos cereais KitKat para o crescimento do volume de negócios da empresa em Portugal.
Campeões de vendas? "Num país com o perfil de Portugal, nem há questão: o café é o rei, muito à frente de qualquer outro produto. Depois vêm os cereais de pequeno-almoço, como o Chocapic, a Cerelac e o leque da gama de alimentação para animais domésticos Purina", conta ao SAPO a CFO da Nestlé, que apresenta os resultados de 2023 nesta tarde. No fim da linha, há um negócio que ainda é peso-pluma na folha de resultados, mas que Silvia Balcells acredita que será o futuro: o Nestlé Health Science segmento de suplementos, vitaminas e minerais que a administradora financeira está convencida que vai descolar num país com uma população a envelhecer rapidamente. "Nós queremos ajudar a que os portugueses tenham mais qualidade de vida conforme vão avançando na idade e esta categoria de produtos é muito relevante nesse objetivo", explica a CFO, apontando que a estratégia da Nestlé é levada muito a sério, como se comprova pela presença omnicanal (farmácias, parafarmácias, retalho...) das gomas com proteínas de colagénio, para a pele ou o cabelo, vitaminas, complementos, etc., num portefólio muito amplo.
Para a administradora financeira, nascida em Barcelona e que antes de chegar a Lisboa, em 2022, passou oito anos na estrutura da Nestlé na Suíça, "a beleza de Portugal é esta: é ter a força das marcas internacionais mas também as joias locais", através das quais a companhia criou e tem aprofundado uma relação de proximidade com fornecedores de proximidade. "Mais de 60% das nossas necessidades são já garantidas por mais de 900 produtores locais", revela Silvia, explicando que essas compras valem cerca de 250 milhões de euros e respeitam não apenas matéria-prima para os produtos alimentares feitos no Porto e em Avianca -- "compramos localmente cereais, leite, açúcar" --, mas também todo o investimento feito em comunicação e publicidade, a logística e o transporte.
A contribuição nacional é feita não apenas ao nível de fornecedores: 60% do que a Nestlé produz já nas fábricas do Porto e de Avanca segue para mercados internacionais, sendo exportado para mais de 60 países, com Austrália à cabeça, um valor que já ascende a 134 milhões.
Nestlé cada vez mais sustentável
"Como tem acontecido nos 101 anos que já contamos de presença em Portugal, a estratégia da Nestlé aqui é de longo prazo", vinca Silvia Balcells, lembrando o investimento feito no último ano e assegurando que esse empenho não só não se esgota nas melhorias de eficiência das fábricas. "Dos 72 milhões de euros que investimos no ano passado, 21 milhões foram para melhorias operacionais nas nossas instalações, nomeadamente por critérios mais rigorosos de sustentabilidade, e 51 milhões foram aplicados na estratégia de comunicação, publicidade e marketing." E depois, claro, há a inovação. "É mais fácil inovar nas marcas locais, claro" -- como é o caso dos cereais KitKat mas também das embalagens refill de Mokambo, prosseguindo os objetivos ambientais da Nestlé --, mas também nas internacionais o grupo tem vindo a dar cartas. O mais recente exemplo é a máquina Dolce Gusto Neo, que "junta design à técnica digna de um barista e assume uma alta preocupação de sustentabilidade"; as cápsulas são à base de papel, as embalagens têm 65% menos plástico e a própria máquina é feita com 50% de plástico e alumínio reciclado.
"A sustentabilidade é uma grande preocupação nossa e temos feito grandes esforços para melhor responder a esse desafio." Esforços bem conseguidos, como se comprova pela terceira estrela Lean&Green da GS1 conseguida pela marca, depois de conseguir cortar em 35% a emissão de gases com efeito estufa no último ano, com cogeração de energia em Avanca e gestão otimizada da água. O resultado obtido não fez, porém, abrandar esforços, multiplicando-se as ações em curso nas diferentes áreas de atuação da Nestlé para tornar a empresa mais eficiente e mais verde, seja na paletização ou no transporte dual (ferrovia+estrada) seja na otimização do espaço e das viagens dos camiões de mercadorias. Certo é que na frota de 387 viaturas da empresa, 77% das quais são já elétricas, a companhia conseguiu evitar já a transmissão de 1579 toneladas de CO2 no último ano.
"O compromisso global do grupo é ter praticamente toda a operação focada na sustentabilidade, com 95% das embalagens de produtos vendidos a serem recicladas. E Portugal já está nesse patamar", orgulha-se Silvia Balcells. A CFO foca ainda um projeto-piloto em curso que se materializa em combustível de Óleo Vegetal Hidrogenado (HVO), capaz de reduzir de forma imediata em pelo menos 80% as emissões de gases com efeito de estufa por quilómetro percorrido, uma solução possível para reduzir ainda mais a pegada da Nestlé.
Recursos humanos: gestão inteligente
Numa empresa que conta já com 2594 colaboradores em Portugal, a atração e retenção de talento é também levada muito a sério, mas Silvia acredita que parte para a corrida com vantagem: além do lado mais emocional que o país tem com a empresa, o grupo garante que quem ali trabalha pode bem fazer praticamente qualquer coisa que deseje em qualquer parte do mundo em que haja operações. "Eu sou um exemplo disso: estive 25 anos em Espanha, depois oito na Suíça e em 2022 pedi para vir para Portugal e em cada experiência é como se trabalhasse em empresas diferentes", conta ao SAPO a CFO. "Portugal é um país muito especial para a Nestlé, trabalha muito bem, tem muito talento, faz muito e muito bem", diz a responsável, para concluir que "tudo isso é valorizado" na estrutura.
E apostas para o futuro? "Nos últimos anos, toda a sociedade teve desafios difíceis -- da pandemia à geopolítica, às alterações climáticas. Nós queremos continuar a investir partilhando valor económico, social e ambiental; queremos continuar a fazer parte da vida dos portugueses", sublinha a responsável financeira, que acredita que o seu percurso em Portugal deverá durar uns quatro anos, antes de abraçar novos desafios. E no fim desse período, o que considerará ter sido um bom mandato? "O que quero é aportar valor dentro da empresa. A minha missão terá sido bem sucedida se conseguir ser recordada pelo meu trabalho. Quero que as pessoas com quem me for cruzando consigam aprender, trabalhar sozinhas e digam que eu as ajudei a desenvolver-se e a fazer crescer a Nestlé."