Dados de 2019 indicam que Portugal exporta 95% da sua produção para 163 países. Estamos a falar de 2.044 milhões de euros de produtos exportados. Como estão as exportações neste ano conturbado de 2020?
O ano de 2020 é atípico a todos os níveis. Tínhamos a expetativa de que este seria um ano de afirmação do calçado português nos mercados externos. Infelizmente, a pandemia acabaria por nos contrariar todos os planos. Para se ter uma ideia, estima-se que a quebra mundial de consumo este ano ascenderá a 22%. Em todo o mundo deixarão de ser comercializados 5 000 milhões de pares de calçado. Todos os grandes players, sem exceção, serão afetados. Procuramos resistir e fazer os trabalhos de casa, mas chegaremos sempre ao final do ano com a sensação de que paramos dois ou três meses este ano. Em resultado, as exportações deverão recuar cerca de 20%.
Quais as principais dificuldades que o setor está a enfrentar?
Nesta fase diria que precisamos de controlar a pandemia, para que as pessoas regressem à sua vida normal. Só recuperando a confiança, poderemos reestabelecer o consumo.
E os industriais como estão a contra-atacar o impacto da pandemia?
São uns verdadeiros heróis. A indústria portuguesa de calçado tem excelentes argumentos para ser uma grande referência internacional. Saber-fazer acumulado ao longo de gerações, flexibilidade produtiva, capacidade de resposta rápida, localização geográfica privilegiada são alguns dos motivos que permitiram que as exportações de calçado tivessem crescido 50% na última década.
Os dados indicam que apenas 5% da produção é consumida no país. Porque o mercado interno não consome mais produção portuguesa?
Em Portugal produzem-se todos os anos 80 milhões de pares de calçado. É um problema de dimensão. Se, do ponto de vista estratégico, apenas olhássemos para o mercado doméstico português, a capacidade de crescimento do setor estaria sempre limitada à dimensão geográfica e populacional do país. O mercado doméstico português é muito relevante, até como tubo de ensaio – os nossos consumidores são muito exigentes, estão disponíveis para assumir riscos, experimentando novos produtos, o que nos permite depois ir com informação validada para os mercados internacionais - pelo que todas as grandes marcas portuguesas de calçado comercializam os seus produtos de Norte a Sul. A procura de calçado português tem vindo aumentar de forma consistente nos últimos anos.
Muitos setores perceberam com esta pandemia que devem olhar mais para o consumo interno. Passa-se o mesmo com a indústria do calçado?
O setor passou a olhar para o mercado doméstico português há pelo menos uma década, quando começou a investir nas suas próprias marcas. Para se ter uma ideia mais pormenorizada, foram criadas 300 novas marcas portuguesas de calçado na última década. Todas são comercializadas no nosso país.
«O setor tem claramente a visão de ser líder mundial nesta indústria»
Lançaram agora um portal inovador que congrega a (presumo) esmagadora maioria das empresas de calçado nacional. É uma forma de combater a ausência de feiras de calçado?
Sim. Em circunstâncias normais, o setor participaria em 60 feiras este ano em todo o mundo. Infelizmente, fizemos apenas uma meia dúzia. Para um setor exportador como o calçado é fundamental contactar regularmente com os clientes, apresentando novas soluções, novos produtos. Por esse motivo, duplicamos a presença online, seja através do incentivo à criação de lojas online ou presença em plataformas de venda. O portal Portuguese Shoes procura ser uma mais-valia para apresentar, de forma integrada, a oferta portuguesa aos mercados internacionais.
Existe alguma solução semelhante noutros mercados?
Não conhecemos outro portal com estas características apresentado por um qualquer outro player internacional de referência.
Este é o maior investimento do setor na área digital. Quais a vossas expectativas?
O nosso objetivo é o mesmo de sempre: tornar a indústria portuguesa de calçado uma grande referência no plano internacional. Para isso, vamos dando vários passos. Este, sendo muito importante, é apenas mais um.
O portal vai permitir a qualquer consumidor adquirir calçado e acessórios nacionais ou destina-se apenas a empresas?
O portal dirige-se aos profissionais do setor. Mas tem igualmente uma área onde qualquer consumidor, de qualquer parte do mundo, poderá conhecer a excelência da oferta portuguesa. Além disso, poderá conhecer todos os locais onde é possível comprar diretamente calçado português.
Uma coisa que reparei foi que o portal Portuguese Shoes está só em inglês. Porque não está também em português? Continua a não se justificar?
Claro que se justifica. Lá chegaremos oportunamente.
Voltando ainda à época pré-COVID, nos últimos 10 anos, as exportações cresceram cerca de 50%. Nota-se também um trabalho concertado de comunicação lá fora. Como é visto agora o calçado nacional a nível internacional?
Felizmente, a imagem internacional do calçado português mudou de forma muito expressiva. Hoje somos reconhecidos pelo design irreverente e vanguardista, mas também pela qualidade dos nossos produtos. A melhor forma de atestarmos esse reconhecimento público está no facto de, entre os grandes produtores mundiais, Portugal apresentar o segundo maior preço médio de venda. Melhor, só mesmo Itália.
O ano de 2020 é para esquecer. Que impacto vai ter na indústria portuguesa?
Será sempre um ano muito difícil, muito duro. Os nossos empresários são verdadeiramente uns heróis. É uma grande prova de resiliência. Estamos cheios de vontade de regressar em força aos mercados internacionais.
Olhando para o futuro, quais as vossas expectativas para 2021? A indústria vai continuar a ser a mais sexy da Europa?
Estaremos sempre dependentes da evolução da pandemia. Mas estou certo que, passada esta fase terrível, o calçado português estará em condições de continuar a crescer e ser um dos principais embaixadores de Portugal no mundo.
Hoje somos um setor tecnologicamente evoluído, ambicioso, sexy e voltado para o futuro, que não renega as suas raízes e o saber-fazer acumulado ao longo de gerações, mas que tem claramente a visão de ser líder mundial nesta indústria.