
A insónia nas crianças tem aumentado nos últimos anos, alertou hoje a Associação Portuguesa de Sono (APS) que aconselha os pais a procurarem aconselhamento médico antes de recorrer a suplementos de indução do sono como se fossem milagrosos.
"O tratamento de primeira linha é a higiene do sono e as estratégias comportamentais. [A insónia nas crianças] não se deve tratar com fármacos. Os fármacos, quando dados, são dados como segunda linha. São coadjuvantes à terapêutica comportamental", defende a pediatra Marta Rios, da direção da APS.
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Salvaguardando que em Portugal "não há trabalhos científicos e objetivados" sobre insónia nas crianças, esta especialista em sono - que faz parte da equipa de Consulta de Patologia Pediátrica do Sono do Centro Materno-Infantil do Norte (CMIN) da Unidade Local de Saúde de Santo António (ULSSA), no Porto - tem assistido a um aumento do número de pedidos.
"Nos últimos dois, três, quatro anos, os pedidos seguramente duplicaram e quase que triplicaram. Somos poucos a fazer a consulta e não é uma consulta que exista em muitos sítios. Acabo por receber doentes de todo o lado, dos centros de saúde e de outros hospitais", descreve a médica.
Recorrem a este serviço do CMIN doentes com patologias complexas autistas, sindromáticas, criança com doenças neurológicas, mas também "cada vez mais" pais de crianças com desenvolvimento considerado típico.
"Trata-se de um volume de doentes em idade pediátrica que tem insónia comportamental (...) são aquelas crianças que adormecem ao colo dos pais ou com o leite (...) e ao longo da noite vão acordando ou que têm resistência para dormir", descreve.
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Em entrevista à Lusa, na véspera do Dia Mundial do Sono que se assinala sexta-feira, Marta Rios refere que em primeiro lugar é preciso perceber que insónia é, por definição, uma dificuldade em iniciar ou manter o sono dadas as condições para isso.
Logo, "a primeira medida a fazer é dar condições às crianças para poderem dormir bem e essas condições tem a ver com as rotinas, os horários, um sítio confortável, tranquilo e seguro, medidas preventivas que devem ser asseguradas à cabeça e antes de suplementos ou medicamentos", refere.
Questionada sobre o recurso a suplementos alimentares com melatonina, a chamada hormona do sono, a pediatra é perentória: "Não adianta dar melatonina à espera de um milagre porque o milagre não se dá".
E acrescenta: "Os únicos estudos que existem, e demonstraram a eficácia e segurança do uso de melatonina no tratamento da insónia, são com crianças com mais de dois anos com perturbações do neurodesenvolvimento".
Em crianças com desenvolvimento típico sem outras comorbilidades, Marta Rios só defende o recurso a este suplemento - que em Portugal se vende sem receita médica e existe já em vários formatos desde gotas a gomas - com o intuito único de ajudar a instituir estratégias comportamentais. "E sempre, sempre, por recomendação médica", frisa.
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Lembrando que "adormecer bem não é adormecer rápido é adormecer no sítio certo à hora certa", Marta Rios crê que "se está a cair no exagero de dar melatonina sem sentido", alertando que "é muito importante a dose, a hora, o objetivo". "Deve ser usada de forma transitória (...). Os pais têm a muleta da melatonina e não fazem as estratégias que devem fazer", lamenta.
Para celebrar o Dia Mundial do Sono, a APS e o Centro de Neurociências e Biologia Celular da Universidade de Coimbra (CNC-UC) vão participar numa campanha mundial com o nome 'Faça do sono uma prioridade'.
Entre as iniciativas programadas está o lançamento do livro 'Uma Viagem Ilustrada ao Mundo do Sono - desenhos e quadras de jovens artistas sobre a importância do sono', uma obra coletiva criada por 89 crianças e adolescentes, do 1.º Ciclo ao Ensino Secundário.
Será também apresentado um hino dedicado à importância de priorizar o sono, interpretado pelo músico João Leiria.
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