“Evitava espelhos, reflexos, o contacto, e isolava-me”, conta Joana Camilo, mulher, mãe e profissional que vive com dermatite atópica (DA). Foi assim que Joana se sentiu durante quase dez anos após o nascimento do seu filho mais velho. É certo que já tinha sido diagnosticada com esta doença crónica desde a infância - aos sete anos - , mas foi só após a gravidez que os sintomas se descontrolaram. “Até aos 32 anos, a DA era ligeira e mais sazonal, mas com o nascimento do meu filho reapareceu e evoluiu para uma forma grave e generalizada pelo corpo”, explica.

A dermatite atópica é uma “doença de etiologia multifatorial, debilitante do ponto de vista físico e emocional, quer para os próprios doentes, quer para os familiares e cuidadores”, confirma Bruno Duarte, dermatologista no Hospital Santo António dos Capuchos (HSAC), em Lisboa.

Em Portugal, é uma das doenças inflamatórias crónicas de pele mais comuns, estimando-se que até 440 mil pessoas sejam afetadas. A sua prevalência na população pediátrica é particularmente elevada, afetando cerca de 10 a 20% de todas as crianças e adolescentes, decrescendo para 7% na idade adulta. Não obstante, “os casos que persistem para idade adulta apresentam, com frequência, gravidade significativa”, alerta Bruno Duarte.

Sinais e sintomas

O especialista indica que, de forma geral, a doença apresenta-se com lesões visíveis e resultantes da inflamação da pele:

  • Vermelhidão (ou eritema)
  • Descamação
  • Exsudação e escoriações (feridas resultantes do ato de coçar a pele)
  • Liquenificação (aumento da espessura da pele).

Nas crianças e nos jovens, as lesões tendem a localizar-se na face e, no caso dos adolescentes e adultos, estas concentram-se mais nas pregas dos cotovelos e dos joelhos, assim como no pescoço e nas mãos. Poderá até acontecer que, nas formas moderadas e graves, a totalidade da pele fique afetada, o que servirá de motivo para internamento hospitalar.

No entanto, “tão ou mais importante que as lesões visíveis são os sintomas”, avisa o dermatologista Bruno Duarte. Como é uma doença amplamente sintomática, associada a comichão/prurido intensos, não raras vezes de forma diária, pode ser bastante debilitante. “Além do desconforto, o prurido crónico leva a noites mal dormidas, baixando o rendimento profissional e escolar, nomeadamente nos mais jovens”, acrescenta. Outros sintomas são a dor e o ardor. “Até o contacto com a água no banho é doloroso”, exemplifica Bruno Duarte.

Mas a pergunta que não quer calar é: como é que esta doença se manifesta? Até onde a ciência consegue explicar, o factor genético e hereditário é a raiz da causa. Por exemplo, se um ou dois dos pais tiverem asma, rinite alérgica ou dermatite atópica - as doenças que compõem a designada “tríade atópica” - aumenta significativamente a predisposição para que os filhos devolvamm alguma destas doenças, nas quais a dermatite atópica se inclui.

O caso de Joana Camilo é um bom exemplo desta correlação entre genética e aparecimento de doenças. Na verdade, já a sua mãe sofria de DA e o seu filho mais velho também viria a ter, mais ou menos com a mesma idade em que Joana soube do seu próprio diagnóstico. Os três não só são portadores de esta doença de pele, como também sofrem de asma e rinite alérgica.

“Existem múltiplos genes identificados como alterados e que predispõem ao desenvolvimento da doença”, lembra Bruno Duarte. Acrescenta que a maioria desses genes dizem respeito a elementos da barreira da pele (tornando-a mais porosa, permeável e menos capaz de proteger contra agressões do exterior) bem como ao sistema imunitário (tornando-o excessivamente relativo). Contudo, “a dermatite atópica é uma doença multifatorial”, resultando da interação entre fatores genéticos e ambientais, não havendo uma causa única para a doença.

Comichão é apenas a ponta do icebergue

Como já foi mencionado, esta é uma doença física e emocionalmente debilitante porque, apesar das lesões de eczema e do prurido serem a parte mais visível, “estes são apenas o topo de um profundo icerbergue”, considera Bruno Duarte, o qual esconde outras manifestações como exclusão social e escolar, bullying, baixa autoestima, entre outros. A seleção do vestuário é também impactada, com alguns jovens a preferir não frequentar praias ou piscinas ou, em alternativa, a escolherem roupas compridas no Verão, de modo a esconder as suas lesões . As noites mal dormidas são também frequentes, o que leva fadiga e prejudica a capacidade de concentração e aprendizagem.

Embora Joana nunca tenha sentido discriminação, confirma que muitas crianças sofrem bullying que há adultos que são alvo de discriminação devido às lesões que a doença provoca. “A doença atrasou os nossos planos de aumentar a família, mas, com acompanhamento médico, avançámos”. No caso de Joana Camilo, outras complicações surgiram, como sobreinfeções recorrentes da pele, cataratas e osteopenia, derivados não só da dermatite atópica, como dos tratamentos inespecíficos na altura disponíveis. “Felizmente, a realidade de hoje é muito diferente da de há uns anos”, indica.

Uma revolução terapêutica em marcha

Atualmente, para doença ligeira e limitada recomenda-se o uso regular de emolientes e de produtos de higiene adequados, bem como o uso proativo de anti-inflamatórios tópicos (corticoesteroides tópicos e inibidores tópicos da calcineurina). Esta é “uma estratégia habitualmente eficaz”, considera Bruno Duarte. Contudo, deixa o alerta de que existem vários utentes para os quais estes tópicos não são eficazes ou são mal tolerados. Aqui, prende-se a necessidade de criar “mais terapêuticas tópicas eficazes, seguras e com uma formulação agradável ao uso. Estamos expectantes quanto ao desenvolvimento de novos fármacos futuros”, conta.

No que respeita a doença moderada e grave, nos últimos anos tem-se assistido a uma verdadeira revolução terapêutica para dermatite atópica. Começou em 2017, com a aprovação pela Agência Europeia do Medicamento, do primeiro biotecnológico para a dermatite atópica. Hoje, sete anos depoi, existem três biotecnológicos e três moléculas orais aprovados por esta entidade reguladora europeia, vários dos quais já financiados em Portugal e disponíveis através do SNS. Com esta evolução, “conseguimos devolver a qualidade de vida, de forma segura, a um grande número de doentes com formas mais graves de dermatite atópica”, explica o especialista.

Joana Camilo tem beneficiado, nos últimos cinco anos de um tratamento inovador que, segundo a própria, lhe devolveu a qualidade de vida, embora ainda enfrente desafios com o calor e a transpiração. Lembra que, apesar de não ter cura, “os avanços científicos trouxeram esperança para quem sofre de DA, mas é crucial que esses tratamentos estejam acessíveis a todos os que precisam, e em tempo útil”. A desigualdade no acesso aos tratamentos entre os sistemas público e privado de saúde é outra das principais preocupações apontadas. Joana Camilo também acredita que a DA ainda não recebe a devida atenção da sociedade em geral porque além de afetarem o sono e o bem-estar mental de muitas pessoas, o seu tratamento representa um “fardo financeiro elevado”, com custos mensais de controlo da doença - incluindo consultas, deslocações, tratamento farmacológico e não farmacológico - que podem ultrapassar os 150€ por pessoa, por mês.

Após sofrer as consequências da falta de literacia que caracteriza a sociedade em relação a esta assunto, Joana Camilo fundou, em 2018, a ADERMAP - Associação Dermatite Atópica Portugal, à qual preside, para dar apoio e voz a todos dos que de forma direta (os doentes) e indireta (pais e cuidadores) têm que lidar com esta condição.

O que é a ADERMAP?

Pelas palavras de Joana Camilo, a associação trabalha para sensibilizar a sociedade e os decisores políticos e governamentais sobre os impactos da DA, participando em campanhas, audições e reuniões com deputados e com o Ministério da Saúde, além de integrar o projeto INCLUIR do Infarmed, I.P. na avaliação de novas tecnologias de saúde.

A ADERMAP ajuda a aproximar aqueles que convivem com a DA, para que não se sintam sozinhos nesta jornada, encorajando a troca de experiências e o sentimento de pertença a uma comunidade. Também participa em estudos e projetos de investigação, além de co-organizar ações educativas sobre o tratamento e controlo da DA, sempre em parceria com profissionais de saúde. A associação partilha informação baseada em evidência científica, contribuindo para a educação terapêutica e o apoio aos doentes e suas famílias. O acesso à informação é essencial para controlar a DA e reduzir o estigma associado à mesma. Por isso, a ADERMAP tem-se envolvido em iniciativas de promoção de literacia em saúde, especialmente em escolas, através dos Livros da Diana.

A Associação trabalha para ajudar a garantir que todos os afetados tenham acesso aos tratamentos e condições necessárias para minimizar os impactos físicos, emocionais, sociais e económicos da DA, nos próprios e na sociedade. Por fim, deixa um apelo: “Queremos que as pessoas reforcem a sua esperança e procurem informação fidedigna, apoio na associação e aconselhamento médico apropriados para que possam viver com a qualidade de vida que todos merecem”.

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