Em Portugal, estão listadas mais de 300 espécies exóticas invasoras, entre plantas e animais, como é o caso da mimosa, do jacinto-de-água, da vespa-asiática ou do lagostim-vermelho-do-Louisiana. A nível global, segundo a IPBES - Intergovernmental Platform on Biodiversity and Ecosystem Services, as espécies exóticas invasoras são a 5ª ameaça à biodiversidade, com impactes a nível ambiental e socioeconómico nos territórios.
A Organização das Nações Unidas tem mesmo como um dos seus Objetivos de Desenvolvimento Sustentável a implementação de medidas para evitar a introdução e reduzir significativamente o impacte de espécies exóticas invasoras nos ecossistemas terrestres e aquáticos.
Os cidadãos são chamados a esta luta, por terem um papel relevante na prevenção das invasões biológicas, assim como na mitigação dos seus impactes. Nesta 1ª Semana Nacional sobre Espécies Invasoras, perto de 100 atividades decorrem por todo o país para consciencializar cada vez mais pessoas. A conversa com Elizabete Marchante e Hélia Marchante serve para percebermos melhor a gravidade de um problema ainda pouco conhecido.
As espécies invasoras são a 5ª ameaça à biodiversidade a nível global. O que isto representa para o planeta?
Hélia Marchante (HM) - Representa que devido, também, aos impactes das espécies invasoras estamos a perder muitas espécies a um ritmo alarmante. E a isto junta-se a forte redução da abundância de muitas outras espécies que, ainda que não se extingam, têm as suas populações fortemente reduzidas. E a biodiversidade, por mais “ignorada” que seja por tantos de nós, é o suporte da vida na Terra! Ou seja, com o colapso da biodiversidade, de que já se fala, estamos a pôr em causa a própria qualidade de vida humana e a sua sobrevivência. Da diversidade de espécies, que estamos a cuidar tão mal, depende a nossa alimentação, a qualidade do ar que respiramos, muitos dos medicamentos que usamos, as matérias primas para muito do que usamos, o nosso bem-estar, tudo… para o planeta pode representar só mais uma viragem de ciclo; mas, para a espécie humana, e para o planeta como o conhecemos, pode representar algo de muito mau…
Quais são as principais espécies invasoras em Portugal e como elas se disseminaram?
Elizabete Marchante (EM) - De entre as principais espécies invasoras podemos referir plantas, animais e microrganismos. Algumas das plantas que apresentam atualmente maiores áreas do território invadidas são possivelmente as acácias (principalmente Acacia dealbata, Acacia longifolia e Acacia melanoxylon), as háqueas (principalmente Hakea sericea), a erva-das-Pampas (Cortaderia selloana), o jacinto-de-água (Eichhornia crassipes) ou a conteira (Hedychium gardnerianum). De entre os animais invasores podemos referir o lagostim-vermelho-do-Louisiana (Procambarus clarkii), a vespa-asiática (Vespa velutina), a amêijoa-asiática (Corbicula fluminea), vários peixes (projecto FRISK), o nematode-da-madeira-do-pinheiro, ou a vespa-das-galhas-do-castanheiro. Há ainda microrganismo invasores como a bactéria Xylella fastidiosa. Mas são apenas exemplos, há muitas mais espécies preocupantes!
A forma como se disseminaram depende muito do grupo taxonómico (plantas, animais, microrganismos e seus subgrupos), mas todas tiveram a ajuda no Homem no início, que as introduziu de forma intencional como, por exemplo, plantadas como ornamentais, animais de estimação, espécies para resolver problemas de erosão, etc.. Ou de forma acidental como, por exemplo, solo contaminado com sementes ou ovos de espécies invasoras, sementes misturadas com plantas comestíveis. E depois começam a reproduzir-se e afastar-se. Por exemplo, as plantas podem dispersar com o vento, agarradas ao pelo dos animais, na água, depois de ingeridas por animais, ou mesmo levadas pelo Homem agarradas a ferramentas, à roupa ou ao calçado ou a veículos.
«Vários estudos sugerem que os problemas causados por espécies invasoras serão agravados pelas alterações climáticas»
Como espécies invasoras podem afetar um território? Pode dar exemplos?
HM - Podem, por exemplo, substituir outras espécies, diminuir muito a diversidade existente, alterar por completo as paisagens - como as acácias. Podem também diminuir a disponibilidade de água devido às elevadas densidades características de áreas invadidas, por exemplo, por acácias. Podem impedir a utilização do território, como as háqueas-picantes, ou o acesso/utilização da água, como o jacinto-de-água, a elódea-africana, ou a elódea-densa.
Ainda é possível reverter este processo e retirá-las do território? Ou apenas controlá-lo?
HM - Em muitas situações, nomeadamente naquelas em que as espécies já estão bem estabelecidas e ocorrem em grande quantidade, não é razoável pensar que, com os recursos atualmente disponíveis, podemos reverter o processo e retirá-las por completo do território. É, sim, possível estabelecer prioridades em termos de áreas a intervir e depois, nas áreas definidas como prioritárias, controlar as espécies invasoras, mas não erradicar.
Não sendo o seu ambiente natural, como se explica que espécies invasoras proliferem tão bem noutros ambientes?
EM - Havendo exceções, muitas das espécies invasoras proliferam em ambientes semelhantes aos seus ambientes de origem, ainda que sejam muito distantes. Por exemplo, grande parte de Portugal é caracterizado por ter clima mediterrânico (i.e., simplificando, verões quentes e secos, invernos amenos, propício ao fogo) e várias das plantas invasoras que apresentam maiores áreas de distribuição ao longo do território português são originárias de outras regiões do Mundo com clima mediterrânico: algumas acácias e háqueas da zona Mediterrânica da Austrália, as azedas e o chorão-das-praias da zona Mediterrânica da África do Sul, etc.
Há exceções, e muitas delas são plantas invasoras aquáticas que costumam ter sucesso em invadir áreas muito distintas das áreas de origem – dentro de água o ambiente não muda tanto. Por exemplo, o jacinto-de-água é originário de regiões tropicais e invade em locais muito distintos. Além deste aspeto, as próprias características das espécies invasoras e o estado de conservação dos habitats que as recebem também podem facilitar ou dificultar que proliferem. Por exemplo, habitats degradados são normalmente muito mais fáceis de invadir do que habitats bem conservados; daí a importância de apostar na conservação dos habitats como forma de os tornar mais resistentes às invasões. A ausência de inimigos naturais, taxas de crescimento elevadas, reprodução seminal e/ou vegetativa muito eficaz, serem boas competidoras por água, luz, sais minerais, etc., são características que contribuem para que muitas das plantas invasoras que vemos consigam proliferar e substituir as espécies nativas.
O que acontece a um ecossistema quando entra um novo elemento no seu ambiente?
EM - Pode variar muito de ecossistema para ecossistema e do elemento que entra. Algumas espécies entram e não se conseguem estabelecer, não se multiplicam e nem chegam a causar problemas; outras estabelecem-se, multiplicam-se, proliferam e alteram completamente o ecossistema, podendo, por exemplo, eliminar comunidades vegetais inteiras, reduzir a abundância de espécies animais ou vegetais, alterar os ciclos da água e dos nutrientes, etc.
A ‘culpa’ é da ação do Homem ou das alterações climáticas? Quais as principais causas?
HM - O Homem é quem transporta as espécies de um lado para outro, de forma intencional ou não, a um ritmo crescente e as coloca em situação exótica. Nesse sentido, a “culpa” é mesmo do Homem. Muitas espécies ficam por aí! São exóticas, mas não invadem. Outras, quer pelas suas características quer, por vezes, pela ajuda ou estímulo que o Homem lhes dá, quer também pelas semelhanças do novo habitat com o habitat de origem, tornam-se invasoras. O Homem é também responsável pela destruição e perturbação de muitos habitats – quase todas as invasoras beneficiam da perturbação. As alterações climáticas mudarão possivelmente as áreas de distribuição de algumas espécies, invasoras incluídas, agravando situações de invasão. Também é expectável que possam ajudar a limitar outras espécies, mas, mais uma vez, a culpa é do Homem…
Num mundo globalizado é impossível evitar a proliferação deste problema?
HM - É difícil, mas é possível conter o problema, atenuá-lo e mesmo resolvê-lo. E é fundamental que isso se faça! Em áreas que se definam como prioritárias, em termos de conservação, em termos de produção, em termos de segurança humana, etc. Em muitos locais, faz muita falta essa priorização para não desperdiçarmos os recursos que são limitados em situações de invasão que têm pouca probabilidade de sucesso. Se pensarmos em todos os locais de forma igual, o mais razoável é considerar que não podemos evitar a sua proliferação. Teremos de aprender a viver com os novos ecossistemas que se formam.
Percebe-se que as espécies invasoras tenham impacte ambiental. Mas de que forma podem também afetar a nível socioeconómico?
HM - Os impactes socioeconómicos estão muito relacionados com, por um lado, as graves perdas de produtividade. Por exemplo, áreas florestais, agrícolas ou piscícolas que são invadidas passam frequentemente a produzir muito menos do que se não estivessem. E, por outro lado, com os custos elevadíssimos das intervenções de controlo. Estas intervenções ocorrem quer em áreas antropizadas/usadas pelo Homem - por exemplo, muitas das limpezas que se realizam nas faixas de gestão de combustível são ações de corte de invasoras, o que várias vezes acaba por agravar a situação; quer em áreas naturais - há atualmente muitos projetos de controlo de invasoras em áreas de conservação; quer em áreas de produção agrícola ou florestal.
«É essencial uma estratégia nacional para lidar com as espécies invasoras»
A ONU pretende implementar medidas que minorem o problema causado pelas espécies invasoras. No caso de Portugal, o que é necessário fazer?
EM - É essencial uma estratégia nacional para lidar com as espécies invasoras, que inclua ações de prevenção, estabelecimento de prioridades, vigilância, deteção precoce e resposta rápida e controlo. Alguma coisa tem sido feita, mas há ainda muito por fazer e falta principalmente verem-se os resultados no território. É também essencial apostar em ter profissionais mais bem capacitados e capazes de lidar com as espécies de forma mais eficaz, assim como recursos dedicados, de forma às ações serem mais abrangentes no território e de forma a permitir a tão fundamental capacidade de resposta rápida em situações de deteção precoce de espécies problemáticas. É também necessária muita sensibilização porque continua a ser um tema desconhecido para grande parte dos cidadãos. É necessário também apostar mais na conservação e restauração dos ecossistemas porque essa seria a melhor forma de os tornar mais resistentes às invasoras. Na verdade, é necessário fazer muita coisa! Ainda que já se faça muito mais do que se fazia há duas décadas.
Já temos casos de plantas e animais autóctones que estejam em perigo de desaparecerem devido a espécies invasoras?
HM - Foram apresentados há dias os resultados do estudo para a elaboração da Lista Vermelha da Flora Vascular de Portugal Continental e as espécies invasoras surgem listadas como uma das principais ameaças às espécies avaliadas. Salvo erro, contam-se entre o “top 5” das ameaças.
Com as alterações climáticas, os próprios ecossistemas sofrem alterações. O que estão a verificar em termos de aparecimento ou desaparecimento de espécies?
EM - É expectável que com as alterações climáticas umas espécies diminuam e outras espécies aumentem as suas áreas de distribuição. É provável que estas alterações ocorram tanto entre as espécies nativas como entre as espécies exóticas (e mesmo as invasoras), mas vários estudos sugerem que os problemas causados por espécies invasoras serão de forma geral agravados pelas alterações climáticas.
Qual a importância de sensibilizar a sociedade para esta questão? O que é possível cada um de nós fazer para combater o problema?
HM - Cidadãos informados e sensibilizados podem ajudar a resolver ou atenuar o problema. Por exemplo, evitando a introdução de novas espécies invasoras, tomando medidas para não dispersar as que já estão por cá; ou ajudando a controlar as espécies invasoras nos seus terrenos ou como voluntários em ações organizadas. Cidadãos que desconhecem esta problemática podem facilmente contribuir para a agravar, por exemplo, libertando um animal de estimação, deitando fragmentos das plantas de aquário para o ralo – várias invasões aquáticas começaram assim – ou servindo de dispersor de espécies ao levar sementes de invasoras agarradas aos sapatos ou à roupa.
Outra coisa que todos os cidadãos podem fazer é participar nos Desafios INVASORAS.PT e assim contribuir, por exemplo, para o mapeamento das espécies invasoras (fundamental para a gestão mais estratégica destas espécies), para a deteção precoce de novas espécies invasoras (crucial para atuar atempadamente na sua remoção), para divulgar o tema ou participar no controlo de espécies invasoras.
Há muitas outras pequenas coisas que cada cidadão pode fazer, ou intencionalmente não fazer. O tema vai ser abordado no webinar que encerrará a 1ª Semana Nacional sobre Espécies Invasoras, no próximo domingo à noite (dia 18, 21h) online.