Esta pequena brincadeira, em jeito de relato sensacionalista, num tom que parece uma publicação do jornal "O Incrível", é uma verdade que é hoje incontornável, mas que, há poucos anos, poderia parecer um cenário de ficção científica. Segundo o GIIN (Global Impact Investing Network - uma organização sem fins lucrativos, responsável pela criação da maior rede global de investimento de impacto, e que tem vindo a promover e a apoiar o desenvolvimento deste ecossistema), em 2022, a dimensão do mercado de investimento de impacto foi de 1.164 triliões de dólares, e com a expectativa de vir a aumentar nos próximos anos.
Com efeito, segundo um estudo da Cambridge Associates, uma reconhecida consultora de investimento, 40% das instituições que foram analisadas irão optar por uma estratégia de investimento sustentável, ou investimento de impacto, nos próximos 2 anos.
É, também, interessante notar que, ainda segundo o GIIN, existem 2 áreas, no mercado do investimento de impacto, que se prevê poderem tornar-se prevalentes: a primeira, a do investimento em Green Bonds (instrumentos de dívida que financiam projetos com benefícios ambientais positivos, sejam estes projetos públicos ou privados) e, em segundo lugar, o crescimento do Corporate Impact Investing - ou seja, o intensificar do investimento, por parte das empresas, não apenas em produtos e áreas que são geradoras de retorno financeiro mas que, em simultâneo, geram também impacto social e ambiental. E tanto pode ser um investimento em start-ups externas, em fundos de investimento alinhados com ESG, como pode ser o desenvolvimento de produtos, serviços e projetos internos, numa lógica de intra-empreendedorismo, que gerem, em simultâneo, retorno financeiro e impacto - é este o cerne da "Inovação Social Corporativa".
Falar de investimento de impacto, nos dias que correm, inclui muitos tipos de investimento e modelos que têm vindo a ser desenvolvidos nos últimos 15 a 20 anos. Mas este fenómeno de um novo paradigma de investimento, remonta ao século passado e inclui, como bem refere a Cap Gemini, no seu Paper, lançado este ano, sobre Impact Investing, desde o Investimento Social Responsável, que nasce por volta da década de 70, passando pelo chamado investimento ético, que já utiliza, no screening dos mercados a investir, standards de sustentabilidade mais elaborados, até aos investimentos ESG, esta tendência que estamos atualmente a surfar e que, no caso da Europa, tem um forte empurrão da regulamentação recentemente aprovada do ESRS, com os standard de report não financeiro e as inerentes adaptações que as empresas terão que levar a cabo.
Em resumo, podemos dizer que o Investidor de Impacto é aquele que procura, para além do retorno financeiro do investimento, a criação de valor sustentável, e mensurável, para a sociedade, seja esse valor consubstanciado em melhorias da qualidade de vida das pessoas, ou na preservação dos ecossistemas naturais e na proteção dos recursos que garantem a vida e, claro, a produção, na linha do tempo.
Para uma perceção mais integral da diferença entre este tipo de investidor e o chamado "investidor tradicional", procurando uma simplificação que, naturalmente, perde a textura das nuances e dos cinzentos, mas que ajuda à compreensão, podemos dizer que este último:
- Tem como objetivo principal a maximização no retorno financeiro;
- O seu principal foco é na performance financeira de curto e médio prazo, ainda muito ancorado no postulado económico tradicional do "valor temporal do dinheiro", segundo ao qual existe um benefício maior em receber um determinado valor no presente, essencialmente por 2 razões: em primeiro lugar, pelo Custo de Oportunidade - dinheiro recebido hoje é dinheiro que pode ser reinvestido e multiplicado, pelo que passa automaticamente a valer mais do que se permanecer investido; em segundo lugar, pelo risco de inadimplência - ou seja, de não recebimento, no longo prazo, por alteração imprevisível de circunstâncias ambientais, ou relacionadas com o próprio negócio investido;
- Os critérios que subjazem às decisões de investimento são pura e simplesmente financeiros - análises de risco, ROIs (retornos do Investimento), liquidez e outros fatores;
- e, finalmente, podem ter em conta a maior ou menor responsabilidade social e impacto das instituições investidas, mas não é essa a sua prioridade.
Os investidores de impacto, por sua vez:
- Têm a ambição de gerar um duplo retorno com os seus investimentos - retorno financeiro e impacto social ou ambiental, mensurável. Depois variam os graus de um, e de outro dos fatores, havendo quem procure este duplo ou triplo bottom line, aceitando receber um menor retorno financeiro, mas também existe - a maioria - quem tenha a ambição de conseguir condições de retorno financeiro competitivas, alinhadas com o mercado tradicional, e até acima do mercado.
- Porque as transformações sociais e ambientais que procuram acelerar com os seus investimentos são, por regra, mudanças que demoram algum tempo, os resultados que esperam são de longo prazo, razão pela qual este tipo de investimento é muitas vezes chamado de "capital paciente". Este tipo de investimento existe bastante, pelo tipo de contexto de preservação de um sistema, que se procura prolongar no tempo, por várias gerações, nas empresas familiares, por exemplo.
- E baseiam as suas decisões em análise de dados financeira, mas também em reports de sustentabilidade e métricas de impacto, que meçam não somente a diminuição dos riscos das atividades centrais das empresas investidas, mas também o investimento feito na geração de soluções para problemas reais dos stakeholders e comunidades envolventes.
Mas isso significa que uns são "os maus" e outros "os bons"? Não. Não acredito nisso. Acredito que são estratégias de investimento diversas e que, independentemente de juízos de valor sobre a qualidade ou a bondade, sobre os quais não julgo ser de me pronunciar neste contexto, geram resultados diferentes.
Mas, isso sim - é bom ter a noção disto, para tomar as decisões de investimento em real consciência. A consciência clara de que existe um nexo de causalidade direto, entre onde escolhemos pôr os nossos investimentos, e o que acontece como resultado disso:
Uma aposta constante, e consistente, na procura de maximização do lucro, sem a consideração destes outros impactos (os ambientais e sociais), irá certamente gerar um desgaste acelerado de recursos, o aumento do fosso entre os que investem e os que trabalham para viver, as convulsões sociais, e outros desequilíbrios que não é preciso imaginarmos, porque estão à frente dos nossos olhos. Isto não é matéria de profecia;
Por outro lado, o investimento na preservação dos ecossistemas que garantem a produção e a nossa subsistência, no bem-estar e desenvolvimento das pessoas, e no ajuste de práticas comerciais nocivas e destruidoras de valor, mesmo que não gere um retorno financeiro antecipado, garantirá que, num futuro mais adiante, haja um retorno a receber. Seja ele qual for.
Diria que é, pois, não uma diferença de bom, ou mau. É pura e simplesmente uma escolha entre o investimento no que destrói valor ou, em oposição, no que cria valor. E quando falamos em valor, aqui, falamos em mais do que dinheiro. Falamos em qualidade de vida real das pessoas e, dos seus sistemas e ecossistemas, que são garante de vida.
Mas, mesmo dentro de uma lógica de retorno financeiro puro, é importante olharmos para os números, e percebermos se o Investimento de Impacto oferece ou não condições competitivas relativamente ao mercado tradicional de investimento.
Novamente segundo o GIIN, e o seu relatório com Insights relativos ao ano de 2023, 74% da amostra de empresas que foram alvo dos seus inquéritos, entre 2018 e 2023, têm uma expectativa de obter, com os seus investimentos de impacto, um retorno financeiro semelhante ao dos mercados financeiros tradicionais. Dos 308 investidores incluídos nesta amostra, que gerem um total de 371 biliões de dólares em ativos de impacto, 79% afirmaram que a performance financeira dos investimentos realizados em 2023, foi igual ao superior aos objetivos fixados, tendo 88% dessas empresas dito que alcançaram ou excederam os seus objetivos de impacto.
Em Portugal temos já muito bons exemplos de iniciativas que estão focadas na realização de investimentos de impacto de uma forma consistente e bem estruturada, embora relativamente recente - caso da MAZE ou da Fundação Ageas. Mas existe ainda muito espaço para crescer, sendo também necessário, para que tal aconteça, que as empresas abracem definitivamente esta onda, e os surfistas da inovação social construam pranchas sólidas, e modelos profissionalizados de impacto.
Há um novo investidor no bloco. Que a única coisa que tem de especial, é que faz uma conta de 3 simples - sem recursos, não há vida e, portanto, não há lucro. Sem lucro, não há desenvolvimento (pelo menos no sistema em que vivemos agora). Mas se o lucro não for aplicado na preservação dos recursos e na qualidade de vida, o desenvolvimento não serve de nada. Ou serve?