Antes de lhe contarmos a história desta casa centenária, vamos já satisfazer-lhe a curiosidade de como se deve comer um jesuíta. «Deve-se começar por abrir o jesuíta ao meio. Pode fazê-lo à mão ou com o auxílio de uma faca para que a divisão fique mais perfeita. Depois, deve colocar a parte açucarada no meio do doce, virando as duas partes cortadas para o centro do mesmo, de forma a que as extremidades sejam ambas de massa folhada. Finalmente, o jesuíta está pronto a comer», conta-nos Alda Moura, sócia-gerente e elemento da quarta geração da Confeitaria Moura, liderada há 128 anos no feminino.
Este detalhe faz toda a diferença no momento de saborear e apreciar o bolo, ex-libris de Santo Tirso, que atualmente podemos encontrar em praticamente todas as pastelarias do país, na companhia das típicas bolas de Berlim, pastéis de nata, queques ou bolos de arroz, fazendo assim parte da doçaria típica nacional.
Alda Moura e Graça Playo assumem a liderança da 4ª geração do negócio familiar da Confeitaria Moura. Um negócio que começou em 1892 pelas mãos do bisavô de Alda Moura, Joaquim Ferreira de Moura, que resolveu abrir uma confeitaria para a mulher, a ‘Sê Luísa Doceira’, que fazia os chamados doces de gaveta (bolos secos para servir com chá) e pão-de-ló, que vendia nas romarias da região. «Como o negócio prosperou, resolveu melhorar e diversificar os produtos, nomeadamente a introdução de folhados, e mandou o seu filho Guilherme (o avô Guilherme) aprender a arte para uma conceituada confeitaria do Porto. Mas o rapaz fazia falta, pois o trabalho era muito, e resolveu contratar um pasteleiro de fora. Assim, e por um feliz acaso, a escolha recaiu num pasteleiro espanhol, que passou por Santo Tirso e trouxe consigo a receita da nossa massa folhada e dos famosos jesuítas», começa por nos contar a bisneta do casal empreendedor. Mas já lá vamos à história do jesuíta.
Tal como dissemos, esta é uma casa de empreendedorismo feminino que atravessa gerações. E tal aconteceu porque Joaquim Ferreira de Moura faleceu aos 42 anos, assumindo então o negócio a sua esposa e filhos. «A filha mais velha, Maria Antonieta (a menina Toninha, como era conhecida), na altura com 18 anos, abraçou a tarefa com afinco e dedicou-lhe por inteiro a sua vida. A ela se deve a robustez da empresa e a fama que alcançaram os jesuítas, não só em Santo Tirso como em toda a região norte e em todo o país», prossegue Alda Moura.
A atual líder da casa, com 54 anos, recorda os rituais de passeio à Moura para lanchar ou para levar jesuítas e as vezes infinitas em que estes bolos esgotavam e tornavam inglórias muitas deslocações propositadas - num tempo em que não havia telemóveis.
Maria Antonieta era uma senhora bem aperaltada, sempre sentada junto à caixa, amiga de Mário Soares. Muitas foram as figuras nacionais que passaram pela Confeitaria ao longo das últimas décadas. A menina Toninha morreu com 89 anos, em 2011, e a gerência prossegue na quarta geração onde, mais uma vez, são as mulheres da família que estão empenhadas em continuar a manter viva a marca desta casa centenária.
Aquela que é a 4ª geração de mulheres à frente da confeitaria assume a responsabilidade do legado histórico com olhos postos no futuro: «A maior responsabilidade é a de prestigiarmos e reconhecermos a história desta casa, de todas as décadas e pessoas que por aqui passaram. Familiares, colaboradores, clientes, fornecedores, parceiros. A casa passou revoluções, viveu a monarquia e a 1ª República, o Estado Novo, o 25 de abril, virou já dois séculos. Esta talvez seja a geração de um tempo pós-moderno, ligado à tecnologia, à qualidade, ao HACCP, à profissionalização da gestão, à abertura de outros horizontes, à diversificação, ao mundo digital, à resposta ao cliente. O maior desafio é aliar a tradição, a qualidade, a marca reputada, à criatividade, à inovação. E ainda conseguir preparar uma nova geração, que já se está a integrar na Confeitaria. A 5ª geração será uma geração 5G e a nossa prioridade em termos de gestão de médio prazo», conta ao SAPO a sócia-gerente.
Mas afinal como nasceu o jesuíta?
Com mais de um século e alguns pontos por ligar, a história do jesuíta cria algumas incertezas quanto à sua verdadeira origem. E é aqui que entra o tal pasteleiro espanhol que terá vindo no início desta história ajudar uma casa que estava a granjear sucesso. Este pasteleiro, de quem não sabemos o nome, trouxe com ele o segredo da tão conhecida massa folhada utilizada nos jesuítas.
Reza a história que o espanhol ‘fazia os pastéis virado para o lado’, jamais revelando o segredo. «O avô Guilherme é que ia deitando o olho e começou a fazer igual. Se seguiu à risca o que viu ou não, não se sabe, mas o facto é que deu este resultado. Relativamente à figura do mestre pasteleiro espanhol, depois empregado, contudo, ninguém sabe nada. O avô Guilherme não deixou registos e não há nada que o referencie, nem qualquer registo que diga quem ele era ou de onde veio», conta-nos Alda Moura. A morte prematura de Guilherme Moura apanhou todos de surpresa e não permitiu obter muito mais informação.
Uma pesquisa do investigador e historiador tirsense, Padre Francisco Carvalho Correia, apontava para uma casa centenária em Bilbau, Espanha, que fabricava pastéis idênticos aos da Confeitaria Moura e onde poderá ter trabalhado o pasteleiro que, supõe-se, terá tido ligações à Companhia de Jesus e sido cozinheiro de padres jesuítas. No entanto, algumas pessoas afirmam que essa ligação provém apenas do facto de a cobertura do bolo se assemelhar aos trajes usados pelos monges jesuítas. Já outros consideram que a origem da receita é conventual.
E como este bolo se tornou símbolo da cidade? Santo Tirso era um destino turístico em meados do século XX, pelas termas, pela eloquência da sua hotelaria, das praças e jardins, pela visita de muitas pessoas do Porto e arredores, que procuravam a Casa de Chá, o Clube Thyrsense, o Hotel Cidnay. Também era uma vila e um município com muita presença de colégios privados e com muita influência conventual, de ordens religiosas. Um dos mais conhecidos, o Colégio das Caldinhas, era destino académico de famílias de todos o país e até de estrangeiros. A presença da indústria têxtil também capitalizou a vinda de técnicos, empresários, clientes, fornecedores, etc.
«Os jesuítas (bolos) passaram a dar nome à terra, passaram a ser uma prenda desejada, um mimo, um produto para colocar à mesa de famílias que partiam de Santo Tirso para o Porto, Norte e todo o país. Assim, os naturais e residentes passaram a ser conhecidos por jesuítas, porque Santo Tirso é a terra deles. E até no futebol, quando o Tirsense passou pela 1ª divisão, o clube passou a ser conhecido como a equipa jesuíta», conta Alda Moura.
Para esta família, houve e há uma preocupação em investigar e situar historicamente o jesuíta. «A nossa casa tem uma responsabilidade acrescida na defesa do jesuíta como produto gastronómico. A Moura é até confrade fundadora da Confraria do Jesuíta, criada em 2007, em Santo Tirso, mas de âmbito nacional, e que visa defender e divulgar a gastronomia e doçaria regionais, especialmente o famoso jesuíta», salienta a bisneta do fundador.
O certo é que nesta confeitaria a receita continua secreta, e passada de geração em geração, com poucos a sabê-la preparar. A sua procura é tal que representa 60% da faturação. «Há em Santo Tirso e no resto do país outras pastelarias que fabricam jesuítas, mas com outras receitas que nada têm a ver com a receita centenária que é uma exclusividade da Pastelaria Moura e que se mantém sempre igual e na mesma família há 121 anos. É isso que marca a diferença e que torna os nossos produtos exclusivos», salienta, por fim, Alda Moura.