Lorena Travassos é fotógrafa, docente universitária e consultora de revistas académicas. Atualmente, investiga fotografias coloniais portuguesas do século XX sob a perspetiva de género, mas acima de tudo é feminista e agora quer criar uma livraria que aposte neste género em Lisboa. É natural de Paraíba, no Brasil, e vive em Lisboa desde 2004, altura em que veio fazer o doutoramento em Ciências da Comunicação.
É também na capital portuguesa que quer abrir um espaço para a literatura feminista e iniciar debates sobre temas que tocam a exclusão e a opressão. Ainda um projeto a crescer no Instagram, a Greta pretende contribuir para dar mais visibilidade às mulheres escritoras, às pequenas editoras e aos grandes temas sociais.
Como surgiu a ideia de lançar uma livraria feminista?
Sempre quis ter uma livraria, mas nunca parei de trabalhar e estudar, e então foi algo que fui deixando para depois. Também se vai ouvindo dizer que os livros não dão dinheiro e sabemos que muitas livrarias têm estado a fechar à conta das grandes empresas como a FNAC ou Amazon e fiquei com algum receio.
Há uns tempos, em Barcelona, encontrei uma livraria feminista e fiquei encantada: encontrei todos os livros que queria comprar sobre Estudos de Género e que não estava a encontrar nas livrarias em Lisboa.
Naquele momento, pensei que devia criar uma livraria feminista – já conhecia autoras importantes para o feminismo intersecional e estava a fazer a tese de doutoramento com essa perspetiva.
O que é o feminismo interseccional? E porque é importante salientar esta vertente?
O feminismo tem várias ondas. A primeira é mais relacionada com a luta das mulheres pelo direito ao voto e a participação na vida pública e política. Também havia alguns movimentos mais focados no direito ao trabalho, mas são ideias mais voltadas para os desejos das mulheres brancas, porque as negras sempre trabalharam e estes movimentos excluem a cor de pele e classe social. Ao mesmo tempo, uma mulher negra sofre mais exclusão do que um homem negro, por exemplo.
Enfim, a intersecionalidade é um conceito de Kimberlé Crenshaw [especialista e professora americana em direitos civis e questões raciais] para definir que as camadas de opressão são sentidas por mulheres em diferentes intensidades e que incluem o género, a classe social e a cor da pele.
Voltando à livraria, como é que se concretizou esse desejo e como seria idealmente esse espaço?
Aquela ida à livraria feminista em Barcelona aconteceu há três anos. Entretanto, com a pandemia e a escassez de trabalho, comecei a desenvolver melhor esta ideia.
Inicialmente, a ideia é que seja uma livraria que venda livros feministas e livros escritos por mulheres com uma perspetiva mais progressista, na linha feminista.
Isso quer dizer que no nosso catálogo também haverá espaço para poesia, banda desenhada, literatura, livros infantis escritos por mulheres. Tento estar atenta à produção africana, afrodescendente, LGBTQIA+ e dos emigrantes em geral. Como não quero competir com as grandes empresas, a prioridade é ter livros de editoras pequenas e autoras independentes.
“A Greta é pensada como um espaço, uma fresta que se abre para o debate sobre os problemas de género.”
A ideia é que seja um espaço multifacetado. Quero promover cursos sobre questões de género, escrita criativa, fotografia, conversas e lançamentos de livros, mas sempre com mulheres à frente. Há imensas possibilidades.
Tenho também a ambição de fomentar parcerias com associações que trabalhem contra a violência doméstica, contra o racismo, pelo acesso à habitação, com questões LGBTQIA+, emigração, etc. e criar conversas abertas ao público sobre alguns destes temas.
Com a COVID-19, sabemos, por exemplo, que a violência doméstica aumentou muito. Gostava que a Greta fosse um espaço seguro para debates sobre os problemas que parecem ter piorado com a crise sanitária que vivemos.
Que tipo de livros e autoras vão estar presentes?
A ideia é fazer uma curadoria e ter autoras indispensáveis para o feminismo intersecional e ao mesmo tempo livros de mulheres que, sendo de pequenas editoras, possuam uma perspetiva progressista. Quero ter uma livraria especializada e independente com livros de qualidade e que agreguem uma perspetiva feminista.
O que podemos considerar literatura feminista?
Temos os livros que fazem parte dos estudos de género, mais académicos, e há também toda a literatura de autoras que se consideram feministas, ou seja, que falam sobre igualdade de género, sobre o que é ser mulher e negra na sociedade contemporânea, sobre identidade de género, perspetivas sobre maternidade e a necessidade de educação feminista/igualitária, por exemplo.
“As mulheres no geral têm ocupado muito pouco espaço nas livrarias e nas editoras, mas, felizmente, isso está a mudar.”
Há muitos livros de mulheres que não estão presentes nas livrarias. A ideia, portanto, é reunir autoras que considero importantes para o pensamento antipatriarcalista, que reconheça a igualdade de direitos, que lute contra a discriminação colonialista, independente de ser através da poesia, novela, livros académicos ou banda desenhada.
Quais são os principais nomes que vêm à cabeça quando pensamos em autoras feministas? E em Portugal? Há alguns nomes a salientar?
As autoras poderão ser de qualquer nacionalidade, mas tento dar prioridade àquelas que publicaram em português, sejam portuguesas, brasileiras ou de um país africano de língua portuguesa.
Se pensarmos em Portugal, rapidamente vêm-me à ideia nomes como Maria Teresa Horta, Alexandra Lucas Coelho, Filipa Lowndes Vicente e Francisca Solange – são autoras que abordam assuntos diferentes, mas que são feministas nas suas perspetivas.
Quais são os títulos que se poderiam recomendar para quem quer começar a ler um livro feminista?
Um livro muito fácil de encontrar é o Todos Devemos Ser Feministas, da Chimamanda Ngozi Adichi. É um livro importante e uma boa introdução ao feminismo intersecional.
Como tem sido até agora o feedback em relação à criação de uma livraria feminista?
Há algumas pessoas que não gostam do nome, por causa da conotação em Portugal (que é diferente da que existe no Brasil, país onde nasci). Mas também há muito mais pessoas que estão empolgadas com a ideia e que querem colaborar, seja a apoiar diretamente a nossa campanha de crowdfunding ou a partilhá-la, a divulgar o perfil do Instagram ou até a participar nas nossas conversas online, que têm sido semanais.
As escritoras Lorena Portela e Alexandra Lucas Coelho doaram livros autografados para a campanha da Greta e que estão a servir como recompensas e sorteios. Fico muito feliz por ter mulheres fortes a apoiar o projeto.
Quem será o público desta livraria?
De acordo com os dados da conta do Instagram, as mulheres entre os 18-50 anos representam a grande parte do público-alvo. Entretanto, como a ideia é ter livros infantis que ajudem a educar as crianças com uma perspetiva feminista e antirracista, bem como mulheres escritoras em geral, acredito que os homens dessa faixa etária também terão interesse nestes temas, seja para si ou para os filhos.
Quais são as expetativas e o que se deseja atingir com este projeto?
A minha expectativa é que pessoas de todas idades venham à livraria e possam levar os livros sem os pensarem como feministas, mas apenas como livros. É também importante que compreendam e lutem contra as várias discriminações, seja de cor de pele, género ou classe social. O caminho está na educação e, por isso, quero ter referências que ajudem a construir um futuro mais igualitário.