“Vamos agradecer aos idiotas. Não fosse por eles não faríamos tanto sucesso.”
Mark Twain
Acabámos na primeira parte deste tema (leia aqui) observando que, tirando a produção dos poços de petróleo comparticipados pela Galp (e resta saber o que se faz com isso) e a refinação em Sines, o Estado português é refém de tudo o mais. E é “masoquista”, pois vendeu a EDP a estrangeiros - uma empresa estratégica e lucrativa -, aliena barragens produtoras de energia de modo escandaloso, e que em alguns casos se encontra em tribunal; fecha estupidamente a refinaria de Leixões e as centrais a carvão; não faz com que a Espanha cumpra o acordado quanto a caudais mínimos dos rios internacionais e desistiu de ter marinha mercante (a Marinha de Guerra vai pelo mesmo caminho depois da entrada em vigor da Lei de Defesa Nacional, em 1982…) – e também a de Pesca - e ignora a energia nuclear. Optou, entretanto, por mergulhar de cabeça nas chamadas energias renováveis - um lobby poderoso - cujas relações com as multinacionais dos hidrocarbonetos, são outro mistério e lavam a cabeça ao cidadão com o matraquear das supostas “alterações climáticas”.
E sobre as energias alternativas serem também altamente poluentes a médio prazo, nem uma palavra, pois ainda ninguém começou a falar do que vai fazer com as pás das eólicas e o material com que são feitas (e agora abatem-se milhares de sobreiros para isto?); o material usado nos painéis solares - que curiosamente andam a espalhar em milhares de hectares de terrenos aráveis, ou de pasto - já para não falar do que fazer às baterias de lítio dos carros elétricos! Só para ficar por aqui.
Bom, vamos deixar estes assuntos para outras oportunidades, pois nos afastam do foco deste pouco estimável escrito.
Ora tirando as “Sete Irmãs”, que se recomendam e de quem quase não se ouve falar, quem parece poder influenciar mais o preço do crude e do gás é o cartel da OPEP, onde tem lugar decisivo a Arábia Saudita. Daí a constante oscilação entre a decisão de aumentar ou diminuir a produção. É claro que estas decisões não se limitam a tentar estabilizar o peço dos produtos - o que seria louvável - mas obviamente a favorecer ou prejudicar países, segundo os interesses dos grandes atores, o que é mais visível em tempos de conflitos armados.
Porém, fora da OPEP e das “Sete Irmãs”, agora reduzidas a quatro, que passaram a ser empresas estatais ou semi-estatais (mas que ainda controlam muita da refinação e distribuição dos produtos derivados do petróleo, apesar de terem perdido o controlo da maior parte das reservas petrolíferas, que foram nacionalizadas pelos países produtores), existem atores singulares com peso na produção e venda, como são o México, o Brasil, a Noruega, a Rússia e, sobretudo, os EUA, os quais passaram de maior importador de petróleo e produtos refinados (apesar de terem produção própria), a exportador, depois de desenvolverem a técnica do “Fracking”, no início do Século XXI, a qual permite obter gás natural e petróleo a partir de rochas betuminosas.
E como continuam a dominar grande parte das “Quatro Irmãs”; têm grande poder influenciador sobre a Arábia Saudita, logo sobre a OPEP, e dominam a moeda em que se faz a grande maioria das transações (não é por acaso que os “BRICS”- Brasil, Rússia, China, Índia, África do Sul – querem “inventar” alternativas ao dólar) arrisco a dizer que os EUA são o país com mais poder e influência, em todo este âmbito.
Tudo o que foi dito até agora representa o “macrocosmo” da questão, sendo que o “microcosmo” é o preço final do litro do combustível e m3 do gás natural, que se repercute no bolso dos contribuintes.[1]
Entretanto (para complicar ou facilitar as coisas?) existem preços de referência - uma espécie de bolsa de valores - do crude, em algumas partes do mundo. O preço de referência para os países da União Europeia, que supostamente o regula, é o preço do barril do “Brent” (159 L), ou seja do petróleo do Mar do Norte. As cotações “PLATTS são um valor de referência para cada uma das diferentes especificações de produtos derivados do petróleo, em resultado da oferta e da procura de gasolina e gasóleo, no mercado internacional. Na Europa existem dois centros de cotações “PLATTS”: o primeiro encontra-se em Roterdão e tem cotação para os países do Nordeste da Europa, enquanto o segundo se encontra em Lavéra, em França, e tem cotação para as refinarias da região do Mediterrâneo. Em Portugal são as variações dos “Platts” de Roterdão que determinam o aumento ou queda dos preços de referência dos combustíveis refinados.
É ainda mister dizer que o preço do petróleo depende da sua qualidade, nomeadamente da quantidade de enxofre que possui; o enxofre extraído que tem de ser devidamente armazenado pode ser depois transformado em fertilizantes e ácido sulfúrico. Ou seja, quem quer adquirir hidrocarbonetos tem de lidar com este preço de referência, que variará fundamentalmente em face da oferta e da procura, tendo por pano de fundo os eventuais cenários geopolíticos descritos acima.
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Vamos tentar discernir o que se passa a seguir, em termos nacionais.
A Galp Energia, empresa privatizada em 2003 - e onde o Estado português apenas detém cerca de 7% das ações - é quem faz as aquisições do crude a fim de ser refinado e armazenado - existindo 15 tanques com grande capacidade de armazenagem em Sines. [2] A REN (Redes Energéticas Nacionais) está encarregada de fazer o mesmo relativo à importação, armazenamento e distribuição do gás natural.[3]
Ajustado o preço onde entra também a componente de transporte interna (por conduta ou camião) e a margem de lucro para a companhia (isto é um enorme negócio, onde é necessário distribuir dividendos aos acionistas e guardar recursos financeiros para manutenção e futuros investimentos - e se houver prejuízos continuados a empresa pode eventualmente, fechar). A este preço - onde ainda se pode jogar com as margens de lucro ou estabilizar preços relativos a produto armazenado, já que estas compras podem ser feitas através de contratos de maior ou menor duração e nesse período o valor pode variar muito - há que acrescer o lucro das eventuais distribuidoras e revendedores em que as regras de concorrência têm sido na prática viciadas.
Finalmente (e espero não estar a esquecer de nada) é necessário adicionar os impostos que o governo entende lançar, arrecadando uma mais - valia sem gastar um cêntimo no processo, abstendo-se de fazer seja o que for para regular qualquer área neste âmbito de interesse vital para o país. Nem se entende para que serve a Secretaria de Estado da Energia... E o imposto é uma brutalidade, decompondo-se em IVA, ISP, taxa de biocombustíveis; taxa de carbono a que se tem que acrescentar as variações cambiais entre o dólar e o euro. Uff![4]
Parece pouco curial que numa matéria tão sensível e importante para a Segurança Nacional o Estado português se tenha demitido, na prática, de qualquer ação relevante em todo este âmbito, e aliene todas as responsabilidades para os privados, a não ser que lhes tivesse imposto medidas draconianas e de salvaguarda - o que não parece ter acontecido.
O que só valeria a pena - diga-se também em abono da verdade - se os atores do Estado português atuassem no sentido do interesse nacional e não no âmbito ideológico; ao serviço de interesses estranhos ou com o intuito de retirar simples “mais - valias” dos negócios efetuados. E não mexerem uma palha no sentido de diminuir as consideráveis vulnerabilidades nacionais portuguesas em todos os sectores que entram em toda esta enorme equação e se limitem a tentar aliviar apertos de tesouraria, derivados da péssima gestão financeira em que se enredaram. E farão o favor de reparar que, em todo este âmbito, nunca aparece a palavra Estratégia. Também se a usassem quão mal ela soaria…
Oficial Piloto Aviador (Ref.)
[1] Para facilidade de faturação m3 é vertido em KW/h, conforme a Eletricidade.
[2] Até 1974 existiam quatro companhias que atuavam em vários sectores dos combustíveis: a “Sacor”, com as refinarias de Cabo Ruivo e Matosinhos; a “Cidla” que comercializava o gás de botija; a “Sonap” que tratava da comercialização dos combustíveis. A refinaria de Sines entrou em funcionamento em 1978, sob a égide da “Petrogal”, após nacionalização, em 1975, depois de ter sido a “Petrosul” que projetou e iniciou a sua construção. Havia investidores privados e o Estado também detinha participação. Em 1999 é criada a Galp Energia com capital exclusivamente público. No final desse ano começou a 1ª fase da privatização que terminou em 2003. Atualmente existem os seguintes acionistas: Estado Português com 7,61% (não sujeito a operações bolsistas); Amorim Energia BV, com 33,34% (engloba a “Esperanza Holding BV controlada pela Sonangol, onde Isabel dos Santos detinha uma posição); investidores institucionais e outras participações qualificadas (?) com 58,5% (havendo investidores europeus e fora da Europa). Daqui resulta aparente que a posição maioritária é detida pela “Amorim Energia BV”.
[3] A REN, que engloba as redes de GN e eletricidade, privatizada em 2012 e não tem qualquer participação do Estado Português, possui os seguintes acionistas: chineses com 30,3% do capital, dos quais 25% são da “State Grid” e 5,3% são da “Fidelidade” detida pela “Fosum”; 12% da “Pontegadea Inversiones”; 7,6% da “Lazard Asset Managment”; 5% da “Red Electrica Corporation”; ações próprias 0,6% e “outros” 44,5%. De onde se pode concluir que os chineses detêm a maioria do capital. Começaram a surgir algumas vozes no sentido do Estado Português passar a deter algumas ações em todo este “conglomerado” que lhe escapa completamente ao controlo (e resta saber quais as regras contratuais existentes e derivam da privatização), como veiculado em recente artigo do “Expresso”. Mas é duvidoso que o Estado Português consiga convencer alguém a vender a sua parte e conseguindo, tenha disponibilidade financeira para o fazer.
[4] Segundo o relatório da ERSE de Agosto deste ano, em média, 65,3% do preço do litro da gasolina 95, representam impostos e taxas. No gasóleo o valor é de 59,1%. No Gás natural é de cerca de 25%, em média.