Como seria se Portugal fosse um grupo empresarial, uma grande holding da qual todos nós fôssemos acionistas? Todos os portugueses e empresas que operam no território nacional. Investíamos através do pagamento dos nossos impostos; considerados acionistas de pleno direito pela nossa Constituição da República Portuguesa e recebíamos os dividendos por via do conhecido Estado Social de Direito.
Uns e outros, uns mais do que outros, teríamos, individual e coletivamente, responsabilidade, mais ou menos direta, na gestão da nossa comum empresa. Mas teríamos também o retorno do nosso investimento. Nos dias de hoje esse retorno é ainda despiciendo.
Este exercício, que até pode causar arrepios a alguns mas que, estou segura, não é descabido, pode ser ainda mais surpreendente se nos perguntarmos: e o que seria de uma empresa se fosse gerida como o nosso país tem vindo a ser nos anos mais recentes?
Como sabemos, as empresas só podem gerar lucro para os seus acionistas se conduzirem a sua atividade com responsabilidade, gerarem confiança na sociedade, forem sustentáveis (em sentido global – económico, social e ambiental) e fizerem uma gestão racional dos seus recursos com impacto positivo nos seus stakeholders – entenda-se em toda a sua cadeia de valor e ecossistema. Acresce que devem pugnar pela defesa da igualdade e equidade, apostar na formação dos seus colaboradores e dar-lhes os instrumentos necessários para que possam prosseguir as suas funções o melhor possível. Do seu lote de obrigações, faz também parte providenciar saúde e segurança para todos os colaboradores e remunerarem, claro, o seu trabalho de forma justa.
Assim, e de forma muito simplista, pode desenhar-se um paralelismo entre a estrutura empresarial de uma grande holding e a atual estrutura dos órgãos de soberania: o governo seria o Conselho de Administração da holding, sendo o Presidente da República, o seu chairman. Como empresas participadas, teríamos as diferentes formas de administração pública – ministérios –, cada uma com a sua governance própria mas com um propósito comum, estabelecido pelo governo.
O grande propósito definido pelo Conselho de Administração da holding seria naturalmente garantir o bem comum e melhorar a vida de todos os portugueses por via da sustentabilidade do Estado e de uma fiscalização justa e independente.
Para esse fim maior, seriam estabelecidos de forma completamente transparente e racional os objetivos de curto, médio e longo prazo de cada uma das empresas nas suas respetivas áreas de atuação. Seriam atribuídas métricas (os célebres KPI – key performance indicators) para cumprimento daqueles objetivos e a sua implementação seria avaliada regularmente pela Comissão de Auditoria Independente. Sendo a avaliação do cumprimento dos objetivos também discutida em sede de Assembleia Geral anual, o paralelismo passaria, neste caso, para a Assembleia da República e pela ocasião do Debate do Estado da Nação.
Mas afinal qual a razão de ser deste exercício? Precisamente perceber que sem um propósito, uma estratégia de curto, médio e longo prazo, transparência e responsabilidade nenhuma empresa sobrevive. Só que para a sua sobrevivência conta também a responsabilidade de todos os stakeholders que compõem o contexto em que a empresa opera. E que todos, independentemente das suas agendas próprias, devem contribuir para alcançar o propósito comum de forma responsável, com cedências e compromissos. De outra forma, como sobreviveria a empresa e, neste paralelo, o nosso belo país à beira-mar plantado?
Se uma empresa não cuidar dos seus colaboradores e não lhes der condições remuneratórias competitivas que lhes permitam viver condignamente e sustentar as suas famílias, aqueles procuram outras opções. É o que se passa por exemplo com os jovens que emigram.
Se uma empresa não apostar na formação dos seus colaboradores será ultrapassada por outras pois deixará de ter o know-how necessário para inovar e ser competitiva, prestar os serviços ou providenciar os bens necessários aos seus consumidores. É o que se passa com a nossa educação – a instabilidade da situação dos professores leva a que os poucos que podem levem os seus filhos para o ensino privado. Não é suposto… é suposto haver concorrência leal entre o público e o privado e uma aposta forte na literacia da população.
Se uma empresa se focar apenas no curto prazo, não tiver um comportamento responsável e um compromisso para com toda a cadeia de valor que leve a alcançar o propósito definido a médio e longo prazo, não gera riqueza para a comunidade em que opera, não gera empregabilidade, não gera lucro para os seus acionistas (neste caso, boa educação, boa saúde, boas condições de segurança), e é excluída do mercado. Fecha portas, não é competitiva. Mas para isto é preciso também o compromisso daquela cadeia de valor. É o que se passa com o governo (a quem foi recentemente dado o mandato de gerir por grande parte dos acionistas) e que não consegue governar perante os partidos da oposição que não têm assumido o seu papel de stakeholders responsáveis e construtivos;
Se uma empresa não seguir os princípios de boa governança, com respeito por princípios de transparência e responsabilidade, a sua reputação é destruída, e será preciso um trabalho de fundo para se reerguer (eventualmente!).
Em alternativa talvez devêssemos procurar consensos – de que o aeroporto Luís de Camões é já um excelente exemplo – num país pequeno, que tem de lutar pela sua sobrevivência, que deveria procurar gerar riqueza através do cumprimento dos mais elementares princípios do Estado Social de Direito para os seus cidadãos (Todos! Todos ! Todos!). Porque os mais vulneráveis só terão melhores oportunidades e melhores condições de vida se aqueles a quem foi dado o mandato executivo o fizerem nas melhores condições permitindo a criação de riqueza – e, não vejo como é isso possível sem o contributo da iniciativa privada, a aposta na competitividade das empresas, a atração de investimento estrangeiro – e a sua distribuição. A lógica do micromanagement – que leva à perda de uma visão de conjunto e conduz muitas vezes a burnouts – é o equivalente a mais Estado. E só deve haver Estado onde, efetivamente, se justifica numa ótica racional e onde, comprovadamente, o público é melhor que o privado; e, nestas matérias, o público tem tanto a aprender com o privado...
Não seria – numa fase tão crítica, com uma necessidade de estabilidade cada vez maior face aos desenvolvimentos geopolíticos globais – a ocasião para tentarmos procurar vias de entendimento, para que o propósito maior de garantir o bem comum e melhorar a vida de todos os portugueses por via da sustentabilidade do país seja alcançado?
Não seria de deixar o Executivo efetivamente executar as suas linhas de atuação e as suas medidas, consensualizando-as na medida do possível com os partidos da oposição, numa perspetiva estratégica de médio e longo prazo, efetivamente, em prol dos portugueses chamando também a iniciativa privada numa ótica construtiva para encontrar as melhores soluções?
Enquanto continuarmos a olhar para o próprio umbigo, seguindo uma postura de “quintinhas” , sem adotarmos uma abordagem integrada e responsável dos problemas do país nunca passaremos da célebre cepa torta.
Se de facto Portugal fosse uma holding já teria, provavelmente, sido objeto de uma OPA (hostil, claro, como quando estivemos sob jugo do gestor de insolvência nos tempos da troika, e mesmo assim, aprendemos pouco). Valha-nos o conceito de Soberania.
Jurista