No dia 20 de maio de 1747, o médico escocês James Lind iniciava aquele que é considerado o primeiro ensaio clínico da história. Mais de dois séculos passados, são inquestionáveis os ganhos em saúde que resultam da investigação clínica. Mas existem também importantes ganhos para a economia, que paradoxalmente tendem a ser pouco valorizados neste país habitualmente tão dependente dos indicadores económicos.
De facto, esta é uma das atividades económicas com maior favorabilidade na cadeia de geração de valor. Prova disso é que, segundo dados da Apifarma, cada euro investido na atividade de ensaios clínicos gera um retorno de 1.99 euros na economia portuguesa. Em 2017, o impacto económico dos ensaios clínicos no país chegou aos 87 milhões de euros, valor que poderia ser triplicado, segundo o mesmo estudo, comparando o volume de ensaios em países europeus de dimensão equiparável. É esta a dimensão da oportunidade perdida para Portugal.
Muitos países já agarraram esta oportunidade, como é o caso de Espanha, que no início deste ano se tornou o primeiro país europeu e o segundo do mundo a atrair investigação clínica. Em 2022, foram realizados, de acordo com o Registo Espanhol de Estudos Clínicos, mais de 900 ensaios clínicos e 86% foram impulsionados por empresas farmacêuticas. Números que contrastam fortemente com a realidade de Portugal, onde foram aprovados, no mesmo ano, apenas 152 ensaios clínicos e onde o investimento em I&D representa 1,73% do PIB, um valor inferior aos 2,23% da média da UE.
Talvez seja tempo de mudar de foco e de olhar para a oportunidade do momento. Como resultado da implementação do tão aguardado Regulamento Europeu dos Ensaios Clínicos, temos atualmente uma aprovação de novos ensaios centralizada na Europa, que se traduz já em resultados promissores para Portugal. Alguns hospitais investiram já na agilização e simplificação dos seus processos e conseguimos agora ser o primeiro país a ativar Centros de Investigação na Europa, vencendo a imagem de país de processos complexos e morosos, e por isso pouco competitivo.
Todavia falta-nos ainda credibilidade e consistência no cumprimento dos objetivos de recrutamento. De acordo com uma avaliação da Apifarma publicada em 2023, no período de 2019 e 2022 as taxas de recrutamento em Portugal ficaram a 47% do objetivo nos ensaios promovidos pela Indústria Farmacêutica, embora os doentes existam, tal como as dificuldades de acesso a tratamentos inovadores.
Porque não conseguimos efetivamente incluir doentes nos ensaios em Portugal? A resposta prende-se novamente com obstáculos, desta vez centrados na insuficiência de recursos humanos especializados ou na inexistência de uma estrutura organizacional nos hospitais capaz de executar de forma eficaz estes ensaios. Ora também neste campo existem excelentes notícias. Foi publicado este ano um despacho conjunto do Ministério da Saúde, Economia e Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, que permitirá aos Centros de Investigação Clínica uma maior capacidade e autonomia, podendo assumir-se como associações de direito privado sem fins lucrativos, centros de responsabilidade integrados ou ainda associar-se a outras entidades públicas ou privadas.
Temos uma oportunidade única para “limpar o histórico” e perceções negativas que impactavam a capacidade de atrair investigação para Portugal. Podemos agora construir uma nova narrativa, em torno da nossa agilidade, celeridade, e por isso da nossa capacidade de sermos verdadeiramente competitivos no contexto europeu.
Esta é uma oportunidade que não pode ser perdida.
Maria Reis, Country Clinical Operations Manager, AbbVie