O conceito de "Nova Ordem Mundial" (NOM) tornou-se numa espécie de lugar-comum, especialmente em períodos de mudanças geopolíticas significativas. A terminologia ganhou destaque a meio do século passado com o advento das duas Guerras Mundiais e o fim da Guerra Fria, sendo conotado com temas como a governança global, o equilíbrio de poder ou o papel das instituições internacionais. O novo século trouxe consigo novidades neste domínio. A palavra-chave passou a ser a multipolaridade, que é uma maneira expedita de descrever a forma como estados não tradicionais (e outros actores não estatais) têm tentado ganhar influência sobre as decisões globais.
Tal não acontece por acaso. Nas últimas décadas, temos assistido à ascensão de várias potências “novas”, como é o caso da China. O progresso chinês em matéria económica é apreciável, sendo atualmente o único concorrente sério à já tradicional hegemonia dos Estados Unidos. A multipolaridade também resulta da revolução tecnológica que está em curso, a qual acontece a um ritmo estonteante, brindando-nos com desafios tão importantes como a inteligência artificial, a cibersegurança ou a biotecnologia. Estas novidades, muitas delas profundamente disruptivas, abalam os alicerces do poder global, impactando de forma violenta estados e organizações internacionais que se tentam reajustar ao novo mundo.
Ao mesmo tempo, o globo vive uma era de forte interdependência económica, a qual também reforça a dinâmica da multipolaridade. De facto, os nossos avanços tecnológicos conjuntos e o desenvolvimento de uma capacidade logística global levaram à criação de longas e complexas cadeias de valor, as quais não conhecem fronteiras, idiomas ou vontades políticas.
Este novo normal reduz, em absoluto, a possibilidade de os países tomarem medidas unilaterais, algo que ficou provado à saciedade durantes os anos da pandemia de covid. Tal criou um campo fértil para a existência de associações de países, o que reforçou, naturalmente, a polaridade mundial crescente.
É interessante notar que todas estas transformações acontecem ao mesmo tempo que o quadro político das ditas democracias maduras se transforma aceleradamente. Assistimos nos últimos anos a um despertar de movimentos populistas e nacionalistas nos países do hemisfério norte, os quais são alimentados por um sentimento de descrença dos eleitores para com os eleitos, dando eco às preocupações resultantes de níveis de desigualdade crescentes e de uma corrupção (pelo menos percepcionada) galopante. Este pulsar social é mais um dos elementos que alimenta a polaridade crescente, já que se perdeu, em certa medida, o norte político que orientou as democracias liberais nas décadas que se seguiram à segunda Guerra Mundial.
É neste contexto que a União Europeia (UE) tem de pensar o seu futuro. De facto, a NOM apresenta desafios que são significativos, bastante complexos e difíceis de superar.
Comecemos então pela questão económica. Em 2022, o Produto Interno Bruto (PIB) da União a 27 ascendeu a 16.6 triliões de euros, qualquer coisa como 14% do PIB mundial, valor que nos permite estar no pódio atrás dos Estados Unidos (21,5%) e da China (15%). Este resultado singelo deve, no entanto, preocupar-nos por duas ordens de razão. Primeiro, temos de reconhecer a enorme pressão a que estamos expostos pelas economias emergentes, nomeadamente a China (que já nos ultrapassou) e a Índia. Ambos os países têm um mercado interno gigantesco e têm vindo a apostar forte na incorporação de inovação e tecnologia nos seus processos industriais (e de serviços). Logo, uma resposta inadequada da União nesta matéria ditará que, a prazo, seremos redundantes no palco económico internacional, com perda clara para todos os que pertencem ao bloco europeu.
A segunda fonte de preocupação é conexa e prende-se com o clima tenso que se vive no comércio internacional. A UE assegura cerca de 15% das exportações globais, sendo este um dos seus eixos fundamentais de desenvolvimento económico. No entanto, esta dinâmica está prejudicada pelas guerras que atualmente grassam a Leste e no Médio Oriente, as quais contaminam de forma significativa o clima geopolítico. A União vive ainda na ressaca do brexit e está ameaçada por uma potencial reorientação da política americana, a qual pode acontecer já no final do ano de 2024.
Estes factores impactam negativamente o nosso comércio externo e prejudicam gravemente o investimento na Europa. Este é um tema crítico já que a capacitação tecnológica do nosso tecido produtivo só se faz com investimento, pelo que, falhar neste ponto, ditará um atraso crescente da UE face à sua concorrência em matérias-chave como a inteligência artificial ou a inovação digital.
Aos desafios económicos somam-se problemas políticos e diplomáticos. De facto, há muito tempo que a UE enfrenta divisões internas, as quais minam a sua coesão, limitam a capacidade de decisão atempada e reduzem a nossa influência global. Esta questão é particularmente sensível quando se assiste a uma enorme polarização política nos diferentes países que constituem a União, uma divisão que seguramente se fará sentir, com força, nos momentos em que for necessário falar a uma só voz sobre assuntos globais. Neste contexto, é de esperar problemas crescentes em temas como as migrações, a política fiscal e os assuntos ligados à soberania dos estados.
Um cenário de desintegração interna prejudica-nos já que constitui mais uma peça para a perda de influência do velho continente nas instituições internacionais tradicionais. Apesar de a eficácia das Nações Unidas, da Organização Mundial do Comércio e de outros organismos multilaterais estar muito aquém do desejável, a verdade é que são ainda estes os fóruns onde se tenta conseguir algum consenso sobre matérias que nos interessam a todos. O desafio colocado pelas potências emergentes e a nossa incapacidade de nos organizarmos internamente, reduz a possibilidade de a UE influenciar as normas e políticas globais, o que secundarizará a nossa vontade e os nossos interesses no palco mundial.
Temos, ainda, o tema da segurança e da defesa, o qual é absolutamente crítico. A UE vive num clima de tensão geopolítica evidente, alimentado por conflitos explícitos no Oriente Médio, no Norte de África e na Europa de Leste. Neste particular, o tema da relação com a Rússia deve ser encarado com muita seriedade já que este se constitui como uma forte ameaça ao nosso modo de vida. Por outro lado, as alterações climáticas colocam a União como potencial destino de milhões de migrantes, para os quais não temos, pura e simplesmente, qualquer solução. Este entorno exige da parte da UE uma estratégia clara, assente em medidas robustas que possam assegurar a nossa segurança. A pertença de vários países da União à Organização do Tratado do Atlântico Norte serve como um importante seguro de vida. No entanto, nem isto nos deve descansar pois os Estados Unidos, nosso principal aliado militar, já avisaram repetidas vezes para a necessidade de aumentar o orçamento de defesa da Europa. Este apelo é tão mais importante quando enfrentamos, adicionalmente, uma série de ameaças não-tradicionais, onde se incluem o terrorismo, os ataques cibernéticos e a guerra híbrida.
O que podemos, então, concluir? A UE corre o risco de se tornar irrelevante se não se conseguir adaptar de forma eficaz à Nova Ordem Mundial. De facto, a concorrência económica crescente, as velhas divisões políticas internas e os novos desafios de segurança representam riscos significativos para o nosso futuro colectivo. Para responder afirmativamente aos mesmos, é preciso fortalecer a nossa resiliência económica, criar uma maior coesão política e refundar o nosso pensamento em matéria de defesa e segurança. Só assim a UE poderá, eventualmente, continuar a ter um papel vital na formação do futuro global. Seremos nós capazes de cumprir tal desiderato?
NOTA: Este artigo apenas expressa a opinião do seu autor, não representando a posição das entidades com as quais colabora.