Com uma sigla (RBI) já reconhecida entre quem se interessa pelo tema, a sua definição consiste em atribuir um valor monetário a todas as pessoas, livre de qualquer obrigação e que seja suficiente para cobrir as despesas básicas da sua vida, permitindo usufruir de condições fundamentais para uma vida digna.
O nascimento do conceito é atribuído ao livro “Utopia” (1516) de Thomas More, tendo sido sugerido pelo político britânico Thomas Paine (1737-1809). Foi defendido pelo filósofo Bertrand Russel durante o século XX e mais tarde, no mesmo século, por Martin Luther King, na sua luta contra o racismo e a pobreza nos EUA.
A precariedade laboral está, cada vez mais, presente na vida de grande parte dos trabalhadores e a sua instabilidade tende a aumentar. Com um valor mínimo assegurado para os bens essenciais, funções com uma remuneração digna e boas condições de trabalho poderiam ser negociadas pelos trabalhadores, pois não seriam forçados a ter de aceitar o primeiro trabalho que surge.
A obrigação de ter um trabalho indiferenciado para garantir os bens essenciais contribui para a criação de postos de trabalho que, em muitos casos, são altamente poluentes e obrigam a funções que não transmitem qualquer tipo de satisfação a quem as pratica. Existem ainda algumas destas atividades que são a causa de não se realizarem inovações sociais para o bem de toda a população. Como exemplo disto, e que podemos equiparar a muitas outras situações em todo o mundo, temos a justificação de Barack Obama para não investir num sistema nacional de saúde americano, quando na sua governação alegou que seria complicado fazê-lo porque milhares de pessoas que trabalham nos seguros de saúde privados ficariam desempregadas.
Um rendimento básico incondicional permitia uma transição para ferramentas sociais mais justas, sem a dependência extrema de uma função laboral (considerada como produtiva) como único eixo possível da máquina económico-financeira que, diversas vezes, impede mudanças necessárias para uma melhor qualidade de vida.
As necessidades laborais que são exigidas pelo ritmo desenfreado do crescimento económico definem o nosso meio social e constrangem aquilo que as pessoas querem fazer, bloqueando a livre circulação de ideias e criações humanas, priorizando as ideias neoliberais de mercado livre e acumulação ilimitada de capital.
A adaptação de novas tecnologias ao mercado de trabalho e o combate ao desemprego são pensados num sentido de ocupação profissional meramente económico, ou seja, a ideia de que novas técnicas pretendem apenas forjar novas atividades e a lógica de que todo o emprego recém-criado é positivo, constituem o pensamento dominante. No entanto, se perspetivarmos uma dissociação entre a garantia de bens essenciais e o que é considerado trabalho produtivo, pensado através de um RBI, pressupondo que a grande maioria dos cidadãos se poderiam dedicar apenas a atividades que realmente pretendam fazer, os alicerces do mundo do trabalho poderiam alterar, podendo modificar também algumas “necessidades consumíveis” criadas pelo modelo económico que foi desenvolvido até agora.
Neste sentido, aquilo que muitas vezes nos parece importante consumir e que extrapola o que é básico, poderia começar a ser formado por atividades com um potencial mais enriquecedor da realização e solidariedade humanas e em concordância com uma visão ecologista do planeta, garantindo as bases que todos precisamos para agir mais livremente, com maior segurança e respeito por quem nos rodeia e pela natureza.
A segurança social tem atualmente implementada uma proteção reativa, que se traduz num auxílio a quem se encontra numa posição já bastante fragilizada, pelas mais variadas razões.
A obrigação a uma exposição desagradável perante o desemprego e ao esforço forçado para conseguir rapidamente qualquer tipo de atividade lucrativa, tem certamente impactos negativos individuais e sociais.
Um rendimento básico atribuído a todos os cidadãos proporciona uma rede de segurança prévia, que permite a qualquer pessoa agir com maior liberdade, podendo contribuir para uma reestruturação e desburocratização do sistema assistencialista, mas mantendo o necessário para que possa existir auxílio quando for requisitado. Com mais tempo para descobrir o que se pretende fazer e com uma maior independência e amplitude do tipo de trabalho que se pretende realizar, cria-se a possibilidade de desenvolver laços solidários mais fortes e um maior sentido de comunidade. Neste sentido, presume-se que com um maior número de pessoas realizadas nas suas atividades e com menores pressões exercidas pelo custo de vida crescente, certamente as relações sociais serão também mais harmoniosas.
É fundamental existir um maior equilíbrio entre a liberdade individual e o meio social, considerando que, com a luta pela sobrevivência posta de parte, a exploração entre seres humanos seria largamente atenuada.
Há diversas possibilidades sugeridas por cientistas sociais, nem todos apologistas de um RBI mas com ideais redistribuidores, para uma possível arrecadação de um valor que permitisse uma distribuição económica mais equitativa, tais como: impostos mais progressivos; a taxação universal de heranças; os impostos Pigouvianos (que defendem que as externalidades negativas dos negócios, como a poluição, sejam taxados nos impostos cobrados); a criação de um dividendo universal, com a elaboração de um fundo público através da recolha de uma percentagem de ações do capital gerado pelas empresas, pois, uma vez que grande parte do seu lucro é gerado socialmente, poderia também ser distribuído por toda a sociedade.
Pode também ser encarada a tese que destaca que a Terra é de todas as pessoas que nela habitam e que implicariam, nesse caso, a distribuição de um montante compensatório pela utilização de recursos naturais pertencentes a todas e todos (como existe atualmente no Alasca a distribuição de lucros provenientes da exploração petrolífera). E importa considerar que um RBI, mesmo que redistributivo, onde alguns acabarão por pagar (em vez de receber) tende ainda assim a beneficiar a maioria da população, nomeadamente a classe média, e também os mais pobres. Por exemplo, foram realizados estudos na Alemanha, Espanha e Reino Unido onde se verificou que um RBI redistributivo, ou seja, onde a maior parte do valor do RBI será financiado através de impostos progressivos, beneficia entre 75-85% da população desses países. Ou seja, apenas sensivelmente 15% da população com maior rendimento, não será beneficiário líquido do RBI.
Para muitos teóricos e entusiastas desta ideia, não se trata de questionar a possibilidade de vir a existir um RBI, pois isso será quase certo. A grande questão será começar a pensar que RBI se pretende começar a desenhar e a necessidade de se garantir que se trata de um reforço às conquistas do estado social conseguidas até agora e não de uma tentativa ultraliberal do seu desmantelamento e, atualmente e de forma abrangente, a grande maioria dos movimentos, forças políticas e académicos que defendem a sua aplicabilidade, fazem-no com amplas preocupações sociais e são apologistas de fortes causas ambientais.
Caso seja levado a sério, o RBI poderá vir a ser um dos maiores empreendimentos levados a cabo pela humanidade, colocando-se a hipótese de poder vir a ser considerado como um novo direito humano, que concede uma ampla libertação da necessidade de sobrevivência a qualquer custo, conquistando maior autonomia e possibilidades de escolha sobre o que podemos fazer com o nosso tempo.
Durante esta semana, está a decorrer a Semana Internacional do Rendimento Básico (Basic Income Week), com o objetivo de promover iniciativas relacionadas com o tema e Portugal vai participar no próximo sábado, dia 23 de setembro às 15h30, com uma Marcha pelo Rendimento Básico Incondicional que parte da Praça da Batalha no Porto e da Praça Duque de Saldanha em Lisboa.
Este artigo foi redigido por Daniel Ferreira, membro do movimento Marcha RBI, e por Catarina Neves, doutoranda no Centro de Ética, Política e Sociedade da Universidade do Minho e membro do movimento Marcha RBI.