Em Portugal, a questão, desde logo, suscita a colisão de dois interesses fundamentais, isto é, de consagração constitucional:
De um lado, o direito à proteção da saúde e o dever de a defender, cabendo ao Estado a incumbência de garantir a saúde pública. De outro lado, o direito à integridade física, ao livre desenvolvimento da personalidade e à liberdade de escolha (ou direito à autodeterminação) quanto aos cuidados de saúde, devendo, para tal, o cidadão ser prévia e devidamente informado quanto ao objetivo e à natureza da intervenção, bem como às suas consequências e riscos.
Ora, é na resolução daquele conflito de Interesses tendencialmente opostos que o nosso Ordenamentos Jurídico é chamado a intervir, cabendo-lhe a sua harmonização, segundo princípios de proporcionalidade, necessidade e adequação. Quer isto dizer que, as restrições aos Direitos Fundamentais devem limitar-se ao estritamente necessário para salvaguardar outros interesses constitucionalmente protegidos: e é neste justo equilíbrio que a solução deve ser encontrada..!
A Constituição da República Portuguesa permite, assim, a imposição da vacinação obrigatória para a defesa da saúde pública, preenchidos que se encontrem os tais princípios ínsitos no artigo 18.º, n.º 2 da C.R.P.: proporcionalidade, necessidade e adequação. A questão passaria, então, a ser a seguinte: Será, no momento atual, proporcional, necessário e adequado a imposição da vacinação obrigatória em Portugal para fazer face à situação pandémica?
Pois bem, é à luz da atual e concreta ameaça da saúde pública, bem como, da própria vacina em causa que a questão terá de ser analisada: Impõe-nos o princípio da proporcionalidade que a obrigatoriedade da vacinação só poderá ser implementada depois de esgotados todos os restantes recursos de combata à Pandemia - como campanhas de informação e sensibilização à vacinação, obrigatoriedade do uso da máscara, a ventilação dos ambientes, testes regulares, imposição de distanciamento entre as pessoas, obrigatoriedade do teletrabalho sempre que possível, redução do número de pessoas em eventos, aumento da vigilância do genoma do vírus, fortalecimento da qualidade dos serviços de saúde etc., ou seja, devemos sempre ser o menos intrusivos e invasivos possível…!
E, tendo em conta a elevada taxa de vacinação voluntária registada no País e ainda o facto de não se registarem em Portugal altas taxas de mortalidade, podemos concluir que os recursos que vimos utilizando cumprem cabalmente o seu propósito, assegurando a concordância prática entre a necessidade de realização do interesse público do Estado e o respeito pelas posições jurídicas dos cidadãos: o tal equilíbrio essencial que deve ser preservado num Estado de Direito Democrático.
Naturalmente que, em situação excecional, isto é, na eventualidade de se vir a assistir a um drástico aumento das taxas de mortalidade em Portugal, poderá ser equacionada uma maior restrição aos Direitos fundamentais do cidadão, impondo-se a vacinação obrigatória para salvaguarda de um bem comum: a saúde pública. Necessário será, porém, que haja garantias, suportadas por evidência científica, da sua segurança (v.g. no tocante à tecnologia utilizada e aos seus possíveis riscos e efeitos secundários a curto, médio e longo prazo), bem como, da sua eficácia no combate ao novo Coronavírus, que vem sofrendo constantes mutações…
A este propósito, deverá chamar-se à colação a circulação de notícias falsas, oriundas dos movimentos negacionistas e anti-vacinas, que rapidamente proliferam com o apoio de toda a estrutura da era digital e as quais são suscetíveis de influenciar – e influenciam – as tomadas de decisão: A campanha de vacinação terá, pois, de prestar os esclarecimentos devidos e cabais sobre as vacinas, não deixando, porém, de alertar os cidadãos para a verificação da credibilidade das fontes de informação, na senda de um combate à desinformação que não deve ser descurado.
Note-se que a eventual imposição da vacinação obrigatória deverá ser aprovada por Lei da Assembleia da República ou por Decreto-Lei do Governo autorizado pela Assembleia da República, onde sejam definidos os critérios da obrigatoriedade e as consequências da recusa (aplicando-se eventualmente uma multa a quem não se vacinasse ou determinando-se meramente a proibição de entrada em determinados estabelecimentos, locais e eventos)
E, sem a aprovação de um tal Diploma Legal, nenhuma Entidade - seja um Empregador, seja qualquer Estabelecimento de Ensino ou de Saúde - poderá impor a toma da vacina, bem como adotar qualquer ato discriminatório em relação a quem opte por não se vacinar. Quanto às novas contratações, ainda que me possa parecer mais razoável admitir, nos termos da legislação laboral, a possibilidade de premiar a admissão de novos postos de trabalho a quem tiver a vacinação completa, sobretudo nos setores de atividade em contacto com grupos de risco, a verdade é que na ausência de uma lei que imponha a vacinação obrigatória, não poderá haver essa discriminação, devendo, até lá, existir um maior reforço da campanha de informação e sensibilização à vacinação, bem como, a imposição de testes aos colaboradores, justificada pelo atual circunstancialismo pandémico de exceção.
Urge, no entanto, uma clarificação legislativa sobre a matéria que diminua a conflitualidade já existente e que ponha termo à livre substituição dos Empregadores ao Estado.