As aftas, pequenas lesões dolorosas na boca, afetam uma considerável fração da população num determinado momento da vida. Habitualmente são de natureza benigna e tendem a desaparecer em poucos dias. Contudo, quando se manifestam de forma recorrente, são de grandes dimensões ou acompanhadas por outros sintomas, podem ser o primeiro sinal de uma doença inflamatória crónica, como a Doença de Behçet.

Descrita pela primeira vez pelo dermatologista turco Hulusi Behçet em 1930, esta doença sistémica pode também originar aftas genitais e envolver outros órgãos, como os olhos, a pele, o sistema gastrointestinal, as articulações, e em casos de maior gravidade, afetar o sistema nervoso e os vasos sanguíneos. É mais frequente em territórios que integravam a antiga Rota da Seda, sendo rara em Portugal, com uma prevalência estimada de 1,5 a 2,4 pessoas por cada 100.000 habitantes.[1,2]

Ainda assim destaca-se como a vasculite (doença por inflamação dos vasos) mais comum inserida na base de dados nacional dos doentes reumáticos, o Reuma.pt.[3,4] Embora a causa exata não seja conhecida, acredita-se que a doença resulte da interação entre fatores ambientais, num indivíduo geneticamente predisposto. É uma doença complexa, que quanto mais precocemente diagnosticada, maior será a probabilidade de controlar os sintomas e minimizar as complicações associadas.

Importa salientar que ter aftas recorrentes não significa, a priori, que tenha Doença de Behçet, pois estas podem ser consequentes a infeções, medicamentos, défices nutricionais, entre outras causas. Contudo, se as aftas forem acompanhadas de lesões genitais dolorosas, alterações na pele, dores articulares ou inflamação dos olhos é essencial procurar um reumatologista.

Por outro lado, diagnosticar a Doença de Behçet pode ser um verdadeiro desafio, dado que nenhum exame é específico e a marcha diagnóstica pode demorar anos.

No entanto, há boas notícias: atualmente existem diversos fármacos disponíveis que ajudam a controlar a inflamação, a reduzir a frequência dos surtos e a melhorar a qualidade de vida. O tratamento é ajustado à gravidade das manifestações e inclui desde a colquicina a imunossupressores e terapias biotecnológicas que têm mostrado bons resultados. Cada caso é único e requer um acompanhamento personalizado para adaptar o tratamento às necessidades de cada doente e aos efeitos adversos dos medicamentos.

A terapêutica precoce é fundamental para reduzir a morbimortalidade e prevenir complicações, particularmente em doentes jovens, cujo impacto na qualidade de vida, psicológico e financeiro da doença pode ser devastador. Acresce o sofrimento dos familiares. As associações de doentes têm também um papel essencial, oferecendo apoio, recursos e conscientização sobre a doença entre pares.

No mês de fevereiro, dedicado às doenças raras, é fundamental aumentar a sensibilização para esta condição, promovendo o seu conhecimento e incentivando a população a procurar um reumatologista para o diagnóstico e tratamento precoces. A chave para um diagnóstico eficaz passa por promover a literacia em saúde, estar atento aos sinais e sintomas, em particular a aftas frequentes e, em caso de dúvida, consultar um especialista em Reumatologia.

Referências bibliográficas:

  1. Souza-Ramalho P, D’Almeida MF, Freitas JP, Pinto J. Behçet’s disease in Portugal, ACTA MÉDICA PORTUGUESA 1991; 4:79-82;
  2. Grupo Nacional para o Estudo da Doença de Behçet, Jorge Crespo. Doença de Behçet – Casuística nacional. Medicina interna 1997;4(4):225-232;
  3. Ponte C, Khmelinskii N, Teixeira V. Reuma.pt/vasculitis – the Portuguese vasculitis registry. Orphanet J Rare Dis. 2020 May 5;15(1):110;
  4. De Aguiar M, Silva de Souza A, Martinho J. Systemic Vasculitides in Portugal and Brazil: Preliminary Results from the Reuma.pt/Vasculitis Registry [abstract]. Arthritis Rheumatol. 2023; 75 (suppl 9).

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