
Quais são os objetivos do seu mandato para a Associação Portuguesa para o Estudo do Fígado (APEF)?
O nosso principal objetivo, como em todas as associações, é que os associados sintam a APEF como a sua casa e que participem todos, mesmo os que nalgum momento se afastaram. A APEF é uma instituição científica, temos uma grande vertente de investigação – desde laboratório a investigação clínica – e com impacto na formação pré e pós-graduada. Focamos em ações formativas para os mais envolvidos, mas também para os jovens, para que possam ter interesse nesta área. Gostaríamos muito que mantivessem a sua ligação à Hepatologia ao longo da sua carreira médica.
A APEF também organiza iniciativas para a população geral, para alertar e sensibilizar para as doenças hepáticas, nomeadamente as mais frequentes, como as doenças associadas ao álcool, para os fatores metabólicos, as hepatites, entre outras.
Mas há falta de recursos humanos, médicos, na Hepatologia?
Achamos sempre que os recursos são escassos, mas acredito que o foco deve ser a promoção dos existentes. A APEF esforça-se para que todos se interessem pela Hepatologia e para que todos colaborem. Desta forma, mesmo com recursos escassos, podemos ter mais poder.
“… com o aumento do sedentarismo e de outros hábitos de vida não saudáveis, a doença hepática esteatótica, associada a fígado gordo, está a tornar-se uma epidemia significativa a nível mundial”
Relativamente às doenças hepáticas, o que é mais preocupante, atualmente?
O mais preocupante é a situação dos doentes não diagnosticados. Por mais estranho que pareça, temos uma enorme franja de doentes, em todas as doenças hepáticas, que não têm diagnóstico. Nas patologias em si, com o aumento do sedentarismo e de outros hábitos de vida não saudáveis, a doença hepática esteatótica, associada a fígado gordo, está a tornar-se uma epidemia significativa a nível mundial. Em Portugal não é diferente.
Se se pensar que 30% das crianças têm excesso de peso, temos de agir precocemente para se ter adultos saudáveis. Apesar de a APEF ser uma associação científica dedicada a doenças hepáticas, é preciso alertar que a mais importante intervenção é nas idades mais jovens, com a educação para a saúde, doutro modo iremos acabar por sentir cada vez mais o peso da patologia hepática na sociedade.
Outras preocupações que poderemos integrar também no que dissemos, são o álcool, as hepatites – é essencial testar -, as doenças autoimunes e as patologias genéticas e metabólicas.
Por que há subdiagnóstico?
Porque a doença hepática é assintomática durante um longo período. Os sintomas surgem quando a patologia já está mais avançada. Exemplo disso é a cirrose e o hepatocarcinoma. Há muitos doentes com doença hepática numa fase muito evoluída, a quem não foi feito o diagnóstico. A cirrose é um fígado cheio de cicatrizes de uma doença que cursou sem sintomas e o cancro do fígado é a transformação maligna de uma doença crónica. Podemos e devemos intervir numa fase inicial ou precoce.
“É importante pedir-se três provas hepáticas e não apenas a gamaglutamiltransferase (GTT), associada a dislipidemia. É preciso acrescentar as transaminases, sobretudo a alanina aminotransferase (ALT) e a fosfatase alcalina”
Qual o papel do médico de família na prevenção e no diagnóstico precoce?
Tudo o que seja estratégia de prevenção, passa pelos cuidados de saúde primários, por isso a Medicina Geral e Familiar (MGF) tem o ‘poder’ de mudar a sociedade. Às vezes, não se olha para a importância que a MGF tem na saúde, mas esta especialidade permite uma intervenção precoce, já que acompanha a pessoa ao longo da vida. Aos especialistas hospitalares cabe o seguimento das doenças já estabelecidas, e que, infelizmente, muitas vezes chegam numa fase mais avançada.
A quem se deve rastrear este tipo de doenças?
Todas as pessoas, ao longo da vida, fazem provas hepáticas, num ou noutro contexto. As provas hepáticas devem ser valorizadas e deve ter-se em atenção quais os fatores de risco individuais e familiares. Se existir risco, o seguimento deve de ser diferente. O problema é que a população não está ainda muito sensibilizada e não faz análises com regularidade. Provavelmente, ter-se-á de alterar a estratégia de análises clínicas pedidas na MGF. É importante pedir-se três provas hepáticas e não apenas a gamaglutamiltransferase (GTT), associada a dislipidemia. É preciso acrescentar as transaminases, sobretudo a alanina aminotransferase (ALT) e a fosfatase alcalina.
No futuro, o grande desafio é a prevenção e combater o subdiagnóstico?
Exato! Esses são os grandes desafios. Para os hepatologistas, “combater” os fatores de risco, melhorar o diagnóstico precoce, ter terapêuticas que controlem as doenças, prevenindo a cirrose e o hepatocarcinoma é fundamental, já que a cura destes ainda está longe.
Maria João Garcia
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