Idas a relojoarias e joalharias, refeições com gastos superiores a mil euros, carros de uso profissional para usufruto de familiares, estadia em resorts e hotéis de luxo no Brasil e no Algarve: estas são despesas de que os ex-administradores do Futebol Clube do Porto desfrutaram sem que a isso tivessem direito, segundo aponta a auditoria forense que foi determinada pela atual equipa, presidida por André Villas-Boas, e cujos resultados estão a ser divulgados esta quarta-feira, 15 de janeiro - e que, considera a gestão, terão "impactos relevantes previstos nos próximos meses/anos de atividade".

“Os administradores usufruíram de 3,6 milhões de euros em despesas de representação entre 2014/15 e 2023/24 que não são elegíveis em consonância com o regulamento interno, evidenciando um encargo significativo de custos adicionais”, de acordo com um resumo da auditoria forense que foi divulgado aos sócios esta quarta-feira, e consultado pelo Expresso – o documento integral ainda não foi disponibilizado publicamente.

A auditoria iria só olhar para as duas últimas épocas do consolado de Pinto da Costa, mas acabou por recuar dez anos. E é nesse período que a auditoria chega aos 3,6 milhões de euros nestas despesas de representação que não seriam pagas se fossem cumpridos os benefícios definidos. Uma parcela diz respeito a despesas de representação que estão no plafond determinado para a administração, mas sem que tenha sido dada a justificação adequada; outra parte foi gasta inclusive superando esse plafond.

Mais de metade das despesas sem justificação

As viaturas consomem a principal parte das despesas irregulares detetadas pela Deloitte (mais de 1,1 milhões), com o uso de vários carros em simultâneo e por familiares, seguido de viagens privadas (meio milhão) para “destinos não relacionados com a atividade do FCP”. Há faturas de jantares “sem suporte de justificação profissional”, uma parte dos quais “com valor superior a 1.000 euros”. Houve 150 mil euros gastos com alojamento, 90 mil em material desportivo e informático e 70 mil euros em joalharia e relojoaria.

A Deloitte conclui que 62% das despesas reembolsadas não tinham documentação de suporte que as comprovasse.

Auditoria feita depois de Villas-Boas se tornar presidente da SAD azul e branca
Auditoria feita depois de Villas-Boas se tornar presidente da SAD azul e branca FC Porto

Clube perde €1 milhão por ano com bilhetes mal atribuídos

“A auditoria revelou irregularidades relativas aos processos de venda de bilhetes à Associação dos Super Dragões e às Casas FC Porto, resultando numa perda total estimada de 5,1M€ ao longo das cinco épocas desportivas analisadas”, aponta o resumo. É um milhão por ano perdido. Destes, €5 milhões, €2 milhões são relativos a bilhetes que foram vendidos aos Super Dragões, mas não foram restituídos. Mas não ficou por aí.

Segundo a auditoria, deu-se o “uso indevido de recursos do clube para pagar viagens pessoais a membros e familiares da Direção dos Super Dragões para destinos onde não existiam jogos do Clube (e.g., Cuba, Cancun, Maldivas, Brasil, Tanzânia, Ibiza, Sardenha, …)”.

Na auditoria, a atual gestão deixa claro que está a apoiar a investigação criminal “para identificação de ilegalidades e recuperação de perdas identificadas”, no âmbito do processo Bilhete Dourado, em que é arguido o antigo líder da claque, Fernando Madureira, assim como a mulher Sandra.

Porto ainda deve €46 milhões em comissões

A mesma auditoria, realizada pela Deloitte, avaliou 879 transferências de jogadores entre as épocas 2014/15 e 2023/24, antes de André Villas-Boas assumir a presidência dos azuis e brancos. Nestes movimentos, o FC Porto pagou 150 milhões de euros em comissões, sendo que se regista um "impacto financeiro negativo estimado de 50 milhões de euros, resultante de comissões acordadas acima dos referenciais FIFA", pode ler-se no documento, a que o Expresso teve acesso.

A referência do organismo máximo do futebol aponta para comissões na ordem dos 10% do valor da transação do jogador e 3% quando se trata de uma renovação de contrato. No caso das renovações de contratos, o clube pagou quase sempre (95% das vezes) acima desta referência e nas entradas de jogadores tal aconteceu em 61% das vezes.

A auditoria forense revela ainda que o FC Porto continua a dever 46 milhões de euros em comissões a empresários por transferência ou renovação de contratos de jogadores.

A Gestifute, detida por Jorge Mendes, foi a empresa de gestão de jogadores que mais dinheiro recebeu em comissões. Esteve envolvida na transação de 21 atletas e recebeu um total de 31,1 milhões de euros. Segue-se a PP Sports, responsável por 43 movimentos de jogadores, que recebeu 14,7 milhões durante estas dez épocas. Esta empresa é detida pelo empresário Pedro Pinto, que agrediu um jornalista da TVI, no estádio do Moreirense, após um jogo contra o FC Porto. E foi sócio do filho de Jorge Nuno Pinto da Costa, antigo presidente dos azuis e brancos, na Energy Soccer, sociedade de gestão de carreiras desportivas, que deu lugar à PP Sports, quando, em 2016, Pedro Pinho comprou a parte de Alexandre Pinto da Costa.

Uma das transferências analisadas foi a do avançando camaronês Vincent Aboubakar, que custou um total de 10,2 milhões de euros aos dragões, com as comissões totais, na compra e renovação de contrato, a ficarem mais de 1 milhão de euros acima do referencial.

Numa análise aprofundada a 55 transferências, a auditoria concluiu que em 51 deles não existia qualquer relatório de observação prévio. "Inexistência de documentação com racional explicativo de suporte às decisões de aquisição, renovação ou alienação de jogadores", pode ler-se no documento.

A auditoria forense teve início no final de maio de 2024, imediatamente após a tomada de posse dos novos órgãos sociais.