A bola ao ar não foi verdadeiramente disputada. Jogadoras adversárias dialogavam entre si adiando o assumir de uma postura competitiva. O Benfica entregou a borracha laranja ao BC Barcelos que a deixou parada no chão. Os 24 segundos esgotaram-se com as duas equipas a contemplarem o descanso da saltitona. A buzina anunciou o fim do tempo de “ataque”, conceito esvaziado pela inoperância da equipa minhota.

O Benfica venceu por 103-41. A diferença de 62 pontos (uma valente goleada nos parâmetros do basquetebol) vai contra o relativo equilíbrio que o histórico recente indicava. Na época passada, o BC Barcelos encontrou as encarnadas no playoff e, se é certo que acabou eliminado em dois jogos, a distância nunca foi tão grande (os resultados foram 71-61 e 69-53, favoráveis ao emblema da Luz).

Esta época, quando os clubes se voltaram a encontrar na primeira jornada da fase regular do campeonato, o BC Barcelos abdicou da primeira posse de bola do jogo como forma de protesto por causa das condições “inaceitáveis”, como descreveu Rebecca Taylor, em que a equipa tem sido forçada a ir a jogo. “Se alguém tiver visto o Benfica-BC Barcelos e esse tiver sido o primeiro jogo da nossa liga a que assistiu acham que vai pensar que o campeonato é competitivo e merece ser visto? A resposta é não”, escreveu no Instagram a jogadora norte-americana dos Estados Unidos.

A vida da MVP da temporada passada conta-se mais ou menos assim: em 2012, como futebolista, ganhou o Mundial Sub-20 pelos Estados Unidos; quando se imaginava que pudesse ter uma carreira promissora, ao nível de colegas de equipa como Julie Ertz, Crystal Dunn ou Sam Mewis, abandonou a modalidade devido a uma concussão; mudou-se para o basquetebol, porque não tinha que cabecear a bola, e tornou-se profissional; na tentativa de ser mãe pela primeira vez, algo que entretanto já consegui, teve um nado-morto e dois abortos espontâneos. Resumindo: não é alguém que se queixe da boca para fora.

O BC Barcelos utilizou apenas sete jogadoras na Luz, enquanto o Benfica recorreu a onze. Embora as minhotas tivessem dez na ficha do encontro, três delas não estavam em condições de contribuir. Mas a equipa treinada por Ricardo Lajas não tinha mais jogadoras contratadas que pudesse colocar em campo? Tinha. No banco de suplentes, sem puderem ser utilizadas por motivos regulamentares, estavam também a norte-americana Anaya Peoples e a venezuelana Estefani Fajardo.

No mesmo fim de semana em que arrancou a liga feminina, a liga masculina adiou a jornada inaugural devido à dificuldade de inscrever jogadores estrangeiros. Entretanto, os clubes anunciaram que a segunda ronda também não se vai disputar na data prevista. No caso dos homens, existiu consenso entre as equipas, mas foi necessária a anuência da Federação Portuguesa de Basquetebol para que tal acontecesse. O organismo afirmou em comunicado que “os clubes iriam competir em desigualdade de circunstâncias, colocando em causa a verdade desportiva”. O mesmo argumento não foi aplicado à competição feminina.

Os jogadores e as jogadoras estrangeiras têm assumidamente preponderância nas equipas, sendo que, de igual modo, representam uma fatia importante no orçamento dos clubes. Acontece que a entrada em vigor da nova lei da imigração está a dificultar a regularização dos atletas não formados localmente. A Federação Portuguesa de Basquetebol, acautelando o cenário, assinou um protocolo tendo em vista a “agilização de procedimentos para a concessão de autorização de residência a atletas e treinadores profissionais”. No entanto, a Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA) não está a conseguir dar conta dos processos dos jogadores de basquetebol, que já se encontram em território nacional sem poderem competir.

A Tribuna Expresso questionou a Federação Portuguesa de Basquetebol sobre o tratamento diferenciado entre os campeonatos. “Nos dois casos auscultámos os clubes”, disse Gil Cruz, diretor de competições. “No masculino, o adiamento foi unânime e a federação não se opôs”. Já na prova feminina, “o calendário é difícil por causa das competições europeias”, referiu Gil Cruz. Ora, na liga masculina, existem três equipas a disputarem provas internacionais, enquanto que, na liga feminina, há apenas duas.

O diretor de competições da Federação Portuguesa de Basquetebol reconhece que um cenário em que duas equipas terminam o jogo distanciadas por 62 pontos “não é ideal”, mas que “qualquer decisão teria consequências positivas e negativas”. Gil Cruz argumenta que, ao contrário do que aconteceu no masculino, na liga feminina não existiu consenso para adiar o começo do campeonato. Ainda assim, assume igualmente que nenhum clube se mostrou contra um eventual adiamento por parte da federação. “Uns eram contra [o arranque], outros neutros”.

O BC Barcelos sofreu especialmente com a impossibilidade de inscrever jogadoras estrangeiras – a situação de Rebecca Taylor é diferente, pois já jogava em Portugal na temporada passada –, o que, aliado à indisponibilidade de mais elementos do plantel, levou ao sucedido na Luz. Ainda assim, na primeira jornada do campeonato, outras equipas também estiveram limitadas, como é o caso do próprio Benfica, do CAB Madeira, da Quinta dos Lombos, do Imortal, do CP Natação, do Esgueira e do AD Vagos. Ou seja, oito das 12 equipas do campeonato não se apresentaram na máxima força.