Depois do embate da COVID-19, as estâncias termais em Portugal começam a reabrir com um reforço dos protocolos de segurança, a nível de higiene, limpeza e controlo bacteriológico. Nas próximas semanas estão de volta com muita vontade de retomar e prosseguir os seus objetivos: chegar a uma população mais jovem, reforçar o posicionamento das termas como destinos de saúde e bem-estar e atrair públicos nacionais e internacionais.
Há, assim, que voltar a pôr em marcha um setor que estava em amplo crescimento. «Antes da pandemia, o ano de 2020 estava a ser muito positivo para a atividade termal, com crescimento na ordem dos dois dígitos e muitos agendamentos de termalistas», assinala Víctor Leal, presidente da Associação das Termas de Portugal (ATP), organização que congrega 38 estâncias termais.
Atrair um público mais jovem e mostrar as termas como um destino de bem-estar tem sido a fórmula para a dinamização destes espaços. E nada melhor do que os descobrir este ano, quando a recomendação é fazer férias no Melhor Destino do Mundo dos últimos três anos. Acompanhe-nos nesta descoberta. Mas antes…
… um pouco de história
Há algo de especial nas águas termais, ou não tivesse o seu uso como meio de tratamento uma longa história na Humanidade. «Os mais antigos registos da utilização da água em banhos e abluções são de 4000 a.C., na Índia. Os hebreus e os egípcios admitiam que certos tipos de banhos poderiam tratar a lepra, mas foi Heródoto (séc. V, a.C.) quem distinguiu o potencial terapêutico das águas com alto teor de minerais», começa por nos contar Gustavo Desouzart, coordenador do Curso Técnico Superior Profissional de Termalismo e Bem-Estar no Instituto Piaget de Viseu.
Porém, pelo território que hoje é Portugal, foi por altura do Império Romano que os tratamentos termais se disseminaram, embora haja vestígios arqueológicos na cidade de Braga que indicam que a água era usada para fins terapêuticos antes desta invasão.
Contudo, foi o conhecido gosto pelos banhos públicos por parte deste Império que os propagou à época, uma vez que desempenhavam um papel central na sociedade de então. Estas influências estenderam-se pelo território, restando hoje inúmeros vestígios desta prática na época romana, de norte a sul do país, de Vizela a Évora.
Mas com o fim do Império Romano, os seus costumes também se foram dissipando ao longo da história e os banhos só voltaram a ganhar novo alento por altura do Renascimento. É dessa época que data a criação do primeiro hospital termal do mundo, nas Caldas da Rainha, em 1485.
«As estâncias termais foram-se afirmando, configuradas como espaços de saúde privilegiados. Ao longo da sua evolução, ficaram marcadas pelo culto termal, seja popular ou erudito, mas com muitos sobressaltos e períodos históricos marcantes, desde a fundação de um hospital termal (Caldas da Rainha, 1485) - o primeiro do mundo com características modernas - até à sua refundação no século XVIII, que coincide com o nascimento do termalismo científico. Depois vieram princípios higienistas que ampliaram e complexificaram os usos, os rituais, a arquitetura e os equipamentos e acessórios terapêuticos. Nascem os conjuntos termais», explica Jorge Mangorrinha, coordenador científico da pós-graduação em Termalismo do Instituto Piaget de Gaia.
E a história prossegue: «As termas em Portugal foram a moda, entre o final do século XIX e o início do seguinte. Na segunda metade do século XX, com uma maior prescrição dos fármacos e o apelo para a frequência das praias, levou a um acentuado empobrecimento das economias termais e, consequentemente, da sua capacidade de renovar e modernizar os equipamentos e, simultaneamente, a sua oferta turística. Mais recentemente, temos casos de sucesso, mas espera-se presentemente o impacto da COVID-19 para avaliarmos o futuro próximo do termalismo português», sintetiza o coordenador científico.
O segredo das águas terapêuticas
Feita a breve viagem histórica, coloca-se a questão: mas, afinal, o que tem esta água de tão especial para ser usada em tratamentos de saúde e bem-estar ao longo dos séculos? A explicação é-nos dada por Nelson Albuquerque, médico de Medicina Física e de Reabilitação no Centro Hospitalar Tondela-Viseu e responsável pelo Programa de Reabilitação de Parkinson nas Termas de São Pedro do Sul: «Tem de ser uma água mineral natural. Acredita-se que a que ascende hoje à superfície foi infiltrada há décadas, ou até há milhares de anos, em aquíferos no subsolo a elevada profundidade e em contacto permanente com as várias camadas rochosas da crosta terrestre. À medida que se infiltra e ascende e contacta com diferentes tipos de rochas, vai adquirindo características físico-químicas próprias e únicas. Estas características são irreprodutíveis e estáveis ao longo do tempo, o que a diferencia das águas de nascente».
As águas termais podem ser caracterizadas segundo a sua temperatura e segundo as suas propriedades físico-químicas. As águas podem ser sulfúreas quentes, isto é, com temperatura superior a 35ºC, bicarbonatadas, ferruginosas, cloradas... E têm de estar livres de poluição, pois não podem ser tratadas quimicamente, sob prejuízo de perderem precisamente as suas propriedades terapêuticas.
São muitas as patologias que podem ser tratadas numas termas, dependendo do tipo de água termal existente e das suas características. Assim, umas adequam-se mais ao tratamento de problemas musculares ou esqueléticos, outras a problemas respiratórios, etc. Em Portugal, «as patologias mais tratadas são as reumáticas e músculo-esqueléticas e em segundo lugar todas as patologias das vias respiratórias. Seguem-se depois as patologias do aparelho digestivo, da pele, do aparelho circulatório e outras», conta-nos Víctor Leal. Pode consultar as indicações terapêuticas de cada uma neste link.
Os benefícios surgem sobretudo como «complemento, complemento ao tratamento convencional de condições crónicas como as doenças do foro músculo-esquelético (dor crónica, osteoartrose, artrite reumatoide, espondilartropatias, fibromialgia), respiratório (rinossinusite, asma brônquica), dermatológico (psoríase, dermatite atópica), digestivo (dispepsia, discinesia biliar, obstipação) ou ansiedade. Antes de se iniciarem os tratamentos é necessária uma consulta médica, com um médico hidrologista, que prescreve os tratamentos de acordo com as patologias do utente», explica, ao SAPO, Gustavo Desouzart, coordenador do Curso Técnico Superior Profissional de Termalismo e Bem-Estar do Instituto Piaget de Viseu.
Por sofrerem de mais condições de saúde, os mais velhos têm sido aqueles que mais têm procurado este tipo de tratamentos, com benefícios comprovados na promoção do envelhecimento com saúde. O avanço da idade traz uma propensão a vários problemas, como baixa resistência, fadiga, desaceleração e perda de massa óssea e muscular, bem como efeitos negativos nalgumas funções cognitivas. E esses sintomas podem ser minimizados e controlados com alguns tratamentos que reabilitam, trazem equilíbrio e relaxam o corpo e a mente.
Mas como estes tratamentos combinam os efeitos terapêuticos da água do ponto de vista fisiológico com uma melhoria no estado psicológico, tal faz com que sejam também indicados para quem procura relaxar um pouco. Efetivamente, os locais de balneoterapia geralmente estão localizados num ambiente relaxante, que convida os visitantes a descansar e a fazer atividades num contexto de proximidade com a natureza. E é neste sentido que, desde 2004, em Portugal se está a desenvolver cada vez mais o termalismo de bem-estar.
Veja o vídeo sobre as termas:
A ciência atesta o que a experiência evidencia
Os resultados preliminares de um estudo científico que está a decorrer em termas da região Centro, nomeadamente em São Pedro do Sul e Unhais da Serra, demonstram que a inalação de águas minerais sulfúreas é eficaz para aliviar os sintomas e tratar quem sofre de rinite e rinossinusite crónica. A investigação está a ser levada a cabo pela Universidade da Beira Interior, que analisou a eficácia das águas minerais sulfúreas destas duas termas em patologias das vias respiratórias superiores, com resultados preliminares promissores. Segue-se agora um ensaio clínico pioneiro a nível mundial com 200 pacientes.
Mas este é apenas um dos exemplos. Segundo nos conta o presidente da ATP, existem mais de 11.000 artigos científicos relacionados com a balneoterapia. O termalismo está reconhecido pela Organização Mundial de Saúde e alinhado com as novas tendências de combate à doença, menos intrusivas, podendo ser um aliado eficaz do Sistema Nacional de Saúde no tratamento e na prevenção de patologias crónicas. Neste sentido, estudos médico-hidrológicos realizados em todo o mundo têm comprovado a eficácia de determinadas águas no tratamento de algumas patologias crónicas, atestando as vantagens dos tratamentos termais para a saúde pública.
Afinal, trata-se de comprovar cientificamente o que a experiência empírica há muito evidencia. «Do ponto de vista empírico a mesma está comprovada desde há milhares de anos. Do ponto de vista científico, e porque caminhamos cada vez mais para uma medicina baseada na evidência, nas últimas décadas têm surgido inúmeros estudos científicos nesta área. Em Portugal, nos últimos anos, tem sido feito um esforço notório na validação científica destes tratamentos. A título de exemplo, salienta-se um estudo multicêntrico de grandes dimensões, controlado pelo Infarmed, relativo à imunomodulação das vias aéreas com os tratamentos termais», assinala Nelson Albuquerque.
Atividade nas termas portuguesas
Atualmente, são dezenas as termas em atividade, seja para fins terapêuticos, seja de bem-estar. E porque é de água quente que se está a falar, fique a saber que a variação de temperatura máxima nas termas portuguesas está entre os 20ºC, em Salir, e os 76ºC, em Chaves.
Do ponto de vista terapêutico, as termas portuguesas estão muito vocacionadas para o tratamento de doenças relacionadas com reumatismos e patologias músculo-esqueléticas. São doenças associadas aos segmentos de população mais sénior. Contudo, e ainda no âmbito terapêutico, segundo a ATP, o segmento que mais cresce é o das crianças e jovens que procuram soluções para os problemas relacionados com a crescente prevalência de alergias respiratórias.
Patologias tratadas:
Já do ponto de vista dos programas de bem-estar e lazer, a maioria dos clientes está na faixa etária dos 35-55 anos. Este turismo de bem-estar está cada vez mais de olhos postos no termalismo e a atrair camadas mais jovens da população. Um relatório da ATP de 2018 dá conta de que este termalismo aumentou 12,4% entre 2017 e 2018, sendo que o termalismo de bem-estar representou, em 2018, 70,6% da distribuição total de clientes nas termas portuguesas, cabendo então ao termalismo terapêutico 29,4% da procura.
As termas de S. Pedro do Sul, Caldas de Chaves e Caldas da Felgueira lideram em Portugal no termalismo terapêutico. Já os clientes do termalismo de bem-estar procuram em primeiro lugar as Caldas de Monchique, depois as Caldas do Cró e em terceiro lugar as Termas da Longoiva.
Uma procura crescente perfeitamente alinhada com as tendências crescentes de procura de serviços de bem-estar. «Os tratamentos termais são tratamentos naturais. O recurso-chave, ou o princípio ativo do ponto de vista terapêutica, é a água mineral natural e as suas características que lhe conferem vocação terapêutica. Nesse sentido, as termas estão totalmente alinhadas com as tendências. Por outro lado, as termas situam-se na sua grande maioria em locais integrados com um ambiente natural preservado e de grande valor. Essa vertente é também fundamental como fator coadjuvante do bem-estar e vida saudável, amplificando os efeitos da água mineral natural», comenta Victor Leal.
O renascer das águas e a aposta em novos públicos
E é precisamente aí que está um dos grandes desafios do setor: abranger um público mais jovem apostando na prevenção primária. E, nesse sentido, já há trabalho feito. Em 2019, por exemplo, uma nova campanha da associação sob o mote “É Natural Estar Bem” teve por objetivo divulgar as unidades termais do nosso país, aliada a uma nova imagem corporativa e a uma nova estratégia de comunicação para chegar a mais públicos. Para reforçar os objetivos foram também criadas rotas turísticas com base na história e tipologia das termas, nomeadamente Rotas Históricas, Rotas de Natureza e Rotas de Charme, e novos programas termais, destinados a captar novos públicos nacionais e internacionais.
A aposta nestes aglomerados não só os rejuvenesce como estes acabam por ter um papel fulcral no turismo e na economia da região e do país. «Um tratamento termal completo implica alguns dias de estadia junto à estância termal e os tratamentos duram somente alguma horas diárias, o que faz com a as estâncias termais apostem também em diversos programas culturais, passeios e caminhadas, promovendo continuamente a saúde e bem-estar e aproveitando todas as potencialidades das zonas envolventes às estâncias termais, que habitualmente são rodeadas de grande beleza natural e arquitetónica. Tudo isto cria inevitavelmente movimento no comércio e turismo local», assinala Nelson Albuquerque.
Portugal é rico em águas minerais naturais, encontrando-se no país cerca de 400 nascentes hidrotermais classificadas e cerca de 50 balneários termais que se concentram sobretudo no norte e centro do país, com potencial para tornar Portugal num destino de referência no sector de saúde e bem-estar. «O turismo de saúde e bem‑estar passou a ser um produto estratégico de desenvolvimento do turismo português devido à sua potencialidade, evolução e afirmação nos últimos tempos, tal como também se encontra consignado na Estratégia Turismo 2027. Neste momento, é um dos produtos turísticos com maior crescimento e procura, e uma das apostas do Turismo de Portugal para a afirmação do país em termos turísticos a nível nacional e internacional», finaliza Desouzart.
Uma boa sugestão para as próximas férias?