Quando, em janeiro, Luís Montenegro sinalizou querer fazer as pazes com os mais velhos — “é altura de nos reconciliarmos com os pensionistas e reformados de Portugal”, segundo disse no encerramento da convenção da Aliança Democrática (AD) —, abateu-se sobre mim alguma estupefação.
Ao prometer que atualizaria as pensões à luz da lei (afastando o fantasma dos cortes passados) e que aumentaria substancialmente o Complemento Solidário para Idosos (não só elevando o valor de referência como admitindo que o faria crescer para o patamar do salário mínimo num eventual segundo mandato à frente do governo), Montenegro não apresentou rabiscos numa folha de somar, passou uma borracha no último período de governação PSD/CDS.
Se o consulado de Pedro Passos Coelho ficou indelevelmente marcado pelo não pagamento, “apenas” em 2012 por decisão do Tribunal Constitucional, de subsídios de férias e de Natal aos pensionistas com reformas acima de mil euros (quem tinha pensões abaixo desse montante e acima do salário mínimo “só” viu eliminado um dos subsídios), pela subida das taxas e do universo de pessoas abrangidas (com diferentes configurações) pela contribuição extraordinária de solidariedade e por um braço-de-ferro constante entre o então primeiro-ministro e Paulo Portas no que respeita à violência das medidas que incidiram sobre os reformados, Montenegro recusa ir por aí.
Se em tempos teve de pôr a cabeça no cepo para defender uma traumática assistência económica e financeira, pela qual o PS e António Costa fingiram não ter um mínimo de responsabilidade, hoje o líder do PSD procura esfumar de vez a ideia do “cisma grisalho”, com que o próprio Portas ajudou a etiquetar a governação durante a troika.
Uma década volvida, e com António Costa de permeio a aumentar pensões ao ritmo de quem visava somente vencer eleições, alegando, contra todas as evidências, que o nosso sistema de previdência é sustentável, o atual governo joga tudo na reconquista dessa importante fatia do eleitorado, que em tempos pareceu irremediavelmente perdida para os socialistas.
Nesta quarta-feira, no calçadão de Quarteira, Montenegro voltou a ensaiar uma espécie de “palavra dada é palavra honrada”, garantindo que não diminuirá um cêntimo em nenhuma pensão, e anunciou um suplemento extraordinário a pagar em outubro aos reformados com pensões mais baixas: 200€ para quem aufere até 509,26€; 150€ para aqueles que recebem entre esse valor e os 1018,52€; e, por último, 100€ para quem tiver um rendimento compreendido entre este último valor e 1527,78€.
O primeiro-ministro pode contrariar que esteja a governar para o curto prazo. Pode exasperar-se quando ouve comentadores criticar a sua estratégia de medidas conjunturais. E pode até enfurecer-se por haver quem insinue que está a decidir em função de votos, mas sabe que tais críticas correspondem à verdade. À semelhança do que, noutra escala e com incomparável desfaçatez, fez Costa, Montenegro está a fazer uma OPA a franjas de eleitores que tinham debandado.
Tal como fez com as medidas dirigidas aos jovens e com as reparações às classes profissionais mais ruidosas, esta segmentação não é inocente. Trata-se de atirar dinheiro para as mãos dos idosos como quem arremessa pão para a mesa dos pobres. É, além de tudo, uma manobra de dissuasão, um aviso de Montenegro a Pedro Nuno Santos e a André Ventura para terem juízo: havendo eleições, será ele a apresentar-se numa posição de força.
Ainda que pouco se saiba sobre o desenho desta medida – que, pelo menos, será one-off –, mais do que o tacticismo de romper com a herança do passismo e de fazer um xeque à oposição que clama por aumentos para todos a toda a hora – porquê 100€ quando, para os lunáticos de serviço, podem ser 1000€? – preferia ver uma estratégia sustentada de aumento global de rendimentos.
Compreendo o apelo pelo festim e não condeno os muitos, sobretudo os mais desfavorecidos, que se entusiasmam com respostas imediatas aos problemas do quotidiano, sobretudo se dispensarem os caminhos tortuosos das reformas. No entanto, não posso esquecer os pensionistas de amanhã. Nem ignoro as nuvens cinzentas anunciadas nas últimas projeções da Comissão Europeia.
De acordo com o Ageing Report 2024, a pensão média no nosso país situa-se em 69,4% do último salário de cada cidadão. Sem mudanças relevantes na Segurança Social, dentro de 26 anos, em 2050, a primeira pensão de um português equivalerá em média a 38,5% do ordenado com que se aposentou.
Pior: sem reformas e sem uma alteração da nossa estrutura demográfica, serão necessários cada vez mais impostos para custear este desequilíbrio (que só os negacionistas fingem não existir) e que se tornará demasiado saliente em pouco mais de uma década.
Recomendaria, pois, a prudência que se evitassem os ímpetos de verão e que se contivessem os eleitoralismos de outono. O inverno demográfico pede-nos responsabilidade. De todos e perante todos. Exige-nos que não deixemos ninguém para trás, mas que não impeçamos ninguém de olhar para a frente. Aconselha-nos a não passarmos do cisma ao cheque grisalho. Os meus pais, ambos pensionistas, compreenderão a frieza com que olho para este tipo de expedientes. Sabem que os critico a pensar na minha filha.