Ainda a geringonça e os seus estilhaços. Ainda António Costa e as sequelas dos casamentos de conveniência. Ainda, e sempre, o cinismo dos partidos políticos na gestão de dossiês delicados: das imposições dos chefes aos silêncios cúmplices das bases. Lembro-me perfeitamente, nos anos subsequentes à aliança das esquerdas, de ter ouvido autarcas socialistas, revoltados com arranjinhos com os “inimigos de sempre”, os comunistas, terem confessado que receberam ordens do Largo do Rato para tratarem a CDU com punhos de renda.
Não era momento para os apoquentarem. Para os enervarem. Para os escrutinarem com vigor, conforme os eleitores esperavam. Para os fazerem desfazer o nó entre duas partes historicamente desavindas. A oposição podia esperar. Recordo-me de me dizerem que a gestão despótica de algumas câmaras do PCP – o PEV foi uma ficção criada por Álvaro Cunhal, hoje política e sociologicamente irrelevante – não merecia contestação mais veemente porque das cúpulas socialistas provinham instruções para que o acordo nacional não fosse beliscado por “questiúnculas locais”.
Não esqueço a indignação desses socialistas do distrito de Setúbal, onde, à data e ainda hoje, subsiste uma triste impressão digital vermelha porque o PS, convenientemente, assim o quis. Para os ditos, Costa era merecedor dos mais depreciativos apodos. Ainda assim, não anuíam, alinhavam, não rompiam com as diretrizes que lhes chegavam, por norma, pela voz dos irmãos Mendonça Mendes (Ana Catarina e António).
O PCP queria, o PCP podia, o PCP mandava. No Seixal, concelho onde resido há quase três décadas, o PS, única força com força relevante entre as alternativas, renunciou a ser oposição desde 2015. Por ordem de Costa e da clique que inexiste para lá das ambições do antigo líder.
O PS local tentou denunciar os permanentes abusos dos comunistas, com a Festa do Avante! à cabeça, e acabou a falar sozinho. O PS local procurou expor os pecados administrativos e os desmandos na contratação pública e foi ignorado. Quis apresentar um candidato de perfil alto para apear Joaquim Santos e terminou vergado (para que tudo permanecesse igual no município).
Por estas razões, foi com espanto que li, na passada sexta-feira, a capa do Expresso, que lançava uma tenebrosa e não desmentida hipótese: “Costa no Seixal?” O Costa em apreço era o “Jr.”. Pedro de nome e filho de profissão. Por mais que me esmere, além da presidência de uma junta por indicação do PS encabeçado e amestrado pelo pai e de um programa de comentário partilhado com um amigo e ex-colega de faculdade (que quase consumou o harakiri de um outro partido), não se conhece biografia ao rapaz. É o que é.
Costa, o mais novo, terá sido convidado para ser candidato ao velho bastião comunista. Sim, o mesmo bastião que o pai negligenciou. Sim, o mesmo bastião em que as cúpulas do PS vetaram nomes que poderiam ter apeado o PCP do poder. Sim, o mesmo bastião ao qual, segundo se sabe, não tem qualquer vínculo nem possui um módico de afinidade.
Há uns anos, nesta maldita república de fidalgos que se confunde com uma monarquia degenerada, o governo do Costa pai foi assolado por sucessivos casos de endogamia. Hoje, o PS pós-Costa pai não hesita em atirar o nome do Costa filho para a 12.ª maior autarquia do país em termos populacionais sem que ao Costa filho seja reconhecido qualquer pergaminho além dos laços sanguíneos – e de uns dislates que propala nas redes sociais, como um recente em que lavou mais branco o envio de dados de manifestantes russos para as autoridades de Moscovo. Só faltou escrever que nem sabia quem era Fernando Medina…
Seja como for, o Seixal debate-se hoje com inúmeros problemas por ação e inação de diversos executivos nacionais (de diferentes cores, é certo) e pela incúria de quase 50 anos do punho de ferro comunista.
Há anos que assistimos ao passa-culpas entre governos e a autarquia sem que o novo hospital saia do papel (e de sucessivos Orçamentos do Estado). Há anos que a qualidade de ensino está em notória degradação (com responsabilidades repartidas, evidentemente). Há anos que os fenómenos de pobreza e exclusão se agudizam em bairros como o Jamaica, a Quinta da Princesa ou a Cucena. Há anos que a segurança é um assunto incontornável sem que ninguém tenha a coragem de o assumir e resolver. Há anos que o investimento privado é visto com desconfiança, a menos que contribua para tapar os buracos da gestão comunista. Há anos que há défice democrático na autarquia, como o PS sempre apontou, e os Costas, pai e filho, nunca se ralaram.
Foram os seixalenses que pagaram a paz comprada pelo Costa pai ao PCP. Se o que o Costa filho tem para oferecer não é mais que reverência pelo legado do progenitor ou, então, pactos de não agressão em nome de estratégias nacionais de terceiros ou ensaios de frentismos de miséria, não, obrigado. Se for candidato apenas pelo nome que carrega, admito que o truque faça dê os seus frutos. Só não venha Pedro Nuno Santos falar-nos de igualdade de oportunidades.