Convido-o a pensar na palavra “Algarve”. Aposto que pensou numa praia espetacular, de cores azuis fortes e com um areal dourado e simplesmente perfeito. Com jeitinho, sentiu ainda o cheiro do seu protetor solar e recordou, com um sorriso maroto, a voz forte do Sr. Manuel a anunciar com entusiasmo as suas famosas bolinhas de Berlim (com ou sem creme).
Claro, este é um estereótipo que, na verdade, assenta bem ao Algarve. A região tem vindo a especializar-se de forma significativa em todas as atividades conexas com o fenómeno turístico desde o final da década de 60 do século passado, altura em que o aeroporto internacional de Faro abriu ao público. O caminho percorrido foi árduo e não foi fruto do acaso. Em particular, o Algarve destaca-se pelas suas condições naturais ímpares, onde pontifica uma linha de costa abençoada com praias maravilhosas, as quais são servidas por um clima mediterrâneo ideal para o turismo, com invernos amenos e verões quentes. Ao mesmo tempo, a região tem um património cultural singular, marcado por tradições distintas e sítios históricos, onde se incluem castelos, igrejas seculares e vilas pitorescas. A nossa gastronomia é única no mundo, apimentada pelos pratos de marisco, peixe fresco de elevada qualidade e frutos secos peculiares, os quais são vetores culturais que atraem cada vez mais pessoas ao Algarve. A região goza, ainda, de vários parques e reservas que fazem as delícias dos amantes da natureza. Por outro lado, a localização estratégica do Algarve ao longo do oceano Atlântico proporciona a Portugal acesso a importantes rotas marítimas, sendo um elemento que pode ser aproveitado para estimular o comércio.
É neste contexto que a economia do Algarve tem vindo a assistir ao nascimento de inúmeras empresas que se dedicam a todas as atividades que concorrem para responder às necessidades do complexo puzzle turístico. Assim, é com naturalidade que o Algarve vem reclamando a posição cimeira no palco dos destinos turísticos nacionais. Ilustro esta realidade com apenas um número. Segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), em 2023 (último ano com informação completa disponível), esta região registou mais de 20 milhões de dormidas, valor que equivale a 26,4% do total nacional. A grande Lisboa, que tem vindo paulatinamente a aproximar-se, no mesmo ano acumulou “apenas” 18,8 milhões de dormidas.
A relevância do Algarve no panorama turístico nacional não é um pormenor, já que esta atividade tem uma importância crescente para Portugal. De acordo com a última estimativa do INE, em 2023, este fenómeno foi responsável por metade do crescimento do país. Dito de outra forma: dos 2,3% de crescimento real do PIB nacional face a 2022, 1,1% foram assegurados pela dinâmica turística. Os valores em euros são avassaladores. Segundo o INE, o turismo contribuiu de forma direta e indireta com 33,8 mil milhões de euros para o nosso PIB, sendo desta forma responsável por 12,7% da riqueza nacional.
Por outro lado, já há muito que o Banco de Portugal vem notando a importância do turismo para outro aspeto fundamental da nossa experiência coletiva: o equilíbrio das contas externas. De facto, o saldo entre exportações e importações de viagens e turismo é-nos clara e sistematicamente favorável, algo que é crítico para assegurar alguma margem na frente das trocas com o estrangeiro.
Apesar de os parágrafos anteriores pintarem um cenário algo cor-de-rosa para o Algarve, a verdade é que a região tem um peso reduzido na economia nacional. Em particular, os últimos dados relevantes nesta matéria são reportados pelo INE para o ano de 2022 e dizem-nos que a região contribuiu com 11,6 mil milhões de euros para o PIB português, ou seja, uns meros 4,8% do total. Temos, pois, um aparente paradoxo: como é que a região mais turística do país pesa tão pouco no produto, o qual está cada vez mais dependente deste tipo de atividade económica?
O cerne da questão é a incapacidade do turismo para gerar elevados níveis de valor acrescentado. Em particular, as atividades turísticas são importantes para gerar emprego e receitas para o Estado (através de impostos diretos e indiretos, ou taxas) mas, tendencialmente, não são generosas na compensação que oferecem aos fatores produtivos trabalho e capital. Infelizmente, no Algarve, 40% do emprego e do valor acrescentado bruto é diretamente gerado pela hotelaria, restauração, comércio e transportes que, na região, são atividades totalmente dependentes da procura turística. Se somarmos o elevado custo de manter a infraestrutura regional (muitas vezes desaproveitada em face da forte sazonalidade que caracteriza a nossa procura turística), o fenómeno da economia informal e, ainda, a compra por estrangeiros de vários dos nossos principais ativos, podemos perceber melhor a razão pela qual o Algarve tem mesmo de diversificar a sua base económica. Este é, no entanto, um tema para um próximo vice-versa. Até lá, ficam os meus votos de umas boas férias e de bons negócios com o Sr. Manuel!
NOTA: Este artigo apenas expressa a opinião do seu autor, não representando a posição das entidades com as quais colabora.