O Plano de Ação para a Comunicação Social apresentado esta terça-feira pelo governo tem 30 medidas divididas por 4 eixos de atuação - regulação, serviço público concessionado, incentivos e combate à desinformação e literacia mediática – e apresenta-se com o objetivo de "construir uma política pública para a comunicação social". Foi bem recebido pelas empresas do sector, embora estas tenham ressalvado que ainda é preciso perceber como vão ser colocadas em prática.

O governo não quantifica o valor total dessas medidas - o ministro dos Assuntos Parlamentares, Pedro Duarte, apenas diz que o investimento direto vai multiplicar por 10 o que tem vindo a ser o apoio do Estado a este sector.

“É a primeira vez que se olha para o sector desta forma, é uma tentativa estratégica de olhar para o sector, não com medidas avulsas, pontuais, de emergência”, afirmou Pedro Duarte, garantindo que estas medidas “vão ser monitorizadas. Das 30 vai haver umas que correm muito bem, outras que se calhar não vai ser assim, temos a vontade de retificar onde for necessário”.

O pacote de apoio foi anunciado na conferência “O futuro dos media”, que decorreu esta terça-feira em Lisboa e foi promovida pela Plataforma de Media Privados que inclui os grupos Impresa (Expresso e SIC), Media Capital (TVI/CNN Portugal), Medialivre (Correio da Manhã, CM TV, Now, Record, Negócios e Sábado), Público e grupo Renascença.

50% de bonificação nas assinaturas digitais, oferta de assinatura a estudantes do secundário e aposta na literacia

O Governo decidiu dar uma bonificação de 50% às assinaturas digitais de órgãos de comunicação social “de teor generalista”: “é uma medida de cariz temporário mas que esperamos que seja um estímulo, criando hábitos de leitura. A ideia é colocarmos do lado da procura esse apoio, os cidadãos vão escolher os meios que querem apoiar e 50% desse valor será comparticipado pelo Estado”, disse o ministro dos Assuntos Parlamentares. Esta medida terá um custo estimado de 6,7 milhões de euros.

Pedro Duarte referiu que há uma lista de órgãos de comunicação social aderentes a esta medida: “temos um patamar que é a média do valor das assinaturas dos 10 ou 12 órgãos que têm mais assinaturas. Vamos estabelecer esse montante, será um preço justo, essa média será o valor de referência e a partir desse valor, 50% será comparticipado pelo Estado.

Por outro lado, vão ser oferecidas assinaturas digitais a cada estudante do ensino secundário, dos 10º, 11º e 12º anos, um universo de 400 mil jovens, e pela duração de dois anos. A ideia é criar “hábitos de leitura nos mais novos para que percebam que há vida para além das redes sociais”, acrescentou Pedro Duarte. “Temos a intenção de até ao final do ano civil ter esta medida implementada, com os alunos a poderem aceder a uma plataforma com um código”. Neste caso está previsto gastar 5,9 milhões de euros.

No combate à desinformação, é também intenção do Governo avançar com um novo Plano Nacional de Literacia Mediática e promover a literacia mediática nas escolas: “queremos apoiar muitos projetos que já existem em escolas mas temos novas iniciativas previstas nomeadamente numa nova área curricular já anunciada pelo ministro da Educação chamada Literacias”.

Incentivos à contratação de jornalistas, formação e Livro Branco para a Inteligência Artificial

A redução do número de jornalistas nas redações tem-se acentuado e por isso o governo quer incentivar as contratações, em dois planos.

Um primeiro é a atribuição, mediante candidatura, de um montante entregue pelo Estado às empresas pela contratação de mais jornalistas com vínculo sem termo, com uma retribuição mínima obrigatória igual ou superior a 1120 euros, uma medida que tem um custo estimado de 6,5 milhões de euros, através de um múltiplo do indexante dos apoios sociais (IAS): 5,5 IAS na contratação de um jornalista, 9,9 IAS para dois e 11 para três ou mais.

No caso da contratação do primeiro jornalista a tempo inteiro num órgão de comunicação social, garantindo uma retribuição mínima obrigatória igual ou superior a 1120 euros, algo que terá impacto essencialmente nos media regionais e locais, haverá uma comparticipação decrescente no tempo: no primeiro semestre será 100% daquele valor, no segundo 75%, no terceiro semestre 50% e no quarto 25%. Para esta medida são estimados 2,8 milhões de euros.

Estão previstas também formações para jornalistas na área digital e da Inteligência Artificial assim como um Livro Branco sobre Inteligência Artificial aplicada ao jornalismo e a promoção da modernização tecnológica.

Apoios à distribuição de jornais e revistas

Há já quatro concelhos do país sem pontos de venda de jornais e revistas. São eles Vimioso, Freixo de Espada à Cinta, Marvão e Alcoutim. E mais poderão juntar-se, com o agravamento dos custos da distribuição. A este respeito o ministro dos Assuntos Parlamentares diz que a VASP, a única distribuidora de publicações do país, “sinalizou ao governo que uma parte significativa da sua operação não é rentável em muitas partes do território pelo que se corre o risco de uma parte significativa da população não ter acesso a jornais e revistas. Não convivemos bem com isso”.

Vai por isso haver “apoios à distribuição de publicações periódicas para zonas de baixa densidade populacional”, no valor de 3,5 milhões de euros. Pedro Duarte diz que o Estado vai comparticipar o esforço que é pedido a entidades privadas de distribuição e por isso vão ser lançados concursos públicos por regiões para quem quiser fazer essa distribuição de jornais e revistas pelo país. Esses concursos públicos serão feitos através das comissões de coordenação e desenvolvimento regional (CCDR).

Mas enquanto esses concursos não avançam, será garantida de imediato a distribuição de publicações periódicas em todos os concelhos do país, para o que já foi assinado um protocolo com a VASP para execução imediata. “Penso que até ao final do ano vamos ter a execução concreta dessa medida”, diz o ministro.

“É uma medida que poderá ser considerada de cariz simbólico mas há 4 conselhos do país que não têm um único ponto de venda onde sejam vendidos jornais ou revistas. Já estamos a encontrar pontos de venda para levar os jornais e revistas no curto prazo”.

Apoios aos media regionais e locais

O governo diz também que está atento aos meios de comunicação regionais e locais e Pedro Duarte diz reconhecer as suas “dificuldades e espírito de sacrifício”

Assim, será duplicada a comparticipação nas publicações periódicas – no porte pago – passando de 40% para 80%, o que beneficiará sobretudo os meios regionais e locais, uma medida que custará 4,5 milhões de euros.

O ministro considera também que é necessária formação empresarial para estes meios e anunciou que serão publicados nos meios regionais e locais os anúncios relativos aos fundos europeus e as deliberações autárquicas. E as rádios locais serão abrangidas pelo regime de transmissão do “Direito de Antena” em todas as eleições, sendo que atualmente este apenas se cinge às eleições autárquicas.

Revisão da legislação do sector e criação de um Código da Comunicação Social

Vai ser criado um Código da Comunicação Social – diz o Governo que há uma “dispersão de leis avulsas” e que se impõe “uma revisão legislativa global, concertada e coerente”. Este código deverá estar concluído no primeiro semestre de 2025.

A ideia nesta área é atualizar o quadro legislativo nacional, a fim de acomodar as alterações no mercado dos media; acompanhar a nova era digital; responder às desigualdades de regulação entre meios; rever as leis obsoletas; refletir sobre as propostas da Entidade Reguladora da Comunicação (ERC) e das associações representativas para o sector; integrar as normas europeias; e colmatar a falta de normas gerais aplicáveis a todos.

É uma matéria onde o governo diz esperar "um amplo consenso social e parlamentar", adiantando que “esta reforma não pode estar dependente de ciclos políticos".

RTP1 sem publicidade e com menos 250 pessoas

São muitas as ideias do Governo para a RTP – e como seria de esperar algumas delas causaram algum burburinho.

Desde logo a mais mediática é a do fim da publicidade na RTP1, o principal canal do grupo público de rádio e de televisão. A eliminação gradual da publicidade comercial na RTP1 não vai estender-se aos outros canais da RTP nem à publicidade digital. Dos atuais 6 minutos que a RTP1 pode ter de publicidade por cada 60 minutos, reduzir-se-ão dois minutos em cada um dos próximos três anos, de forma a que em 2027 a estação pública deixe de ter qualquer publicidade. Desta forma Portugal alinha-se com o que é feito em Espanha ou no Reino Unido, disse Pedro Duarte.

A medida deverá ter um impacto de 18 milhões nas contas da empresa: “o resto da publicidade fora da RTP1 dá pouco mais de 1 milhão por ano nos outros canais e no digital”, esclareceu o ministro.

Mas o ministro diz que esta medida não foi criada para que essa publicidade que deixa de estar na RTP passe para os canais de televisão privados. “O destino da receita da RTP é o mercado que vai definir, uma parte poderá ir para os outros canais e outra para as plataformas”, adiantou. A ideia, explica o governo, é “criar condições para que a RTP, nas suas grelhas de programação, se concentre na prestação de Serviço Público sem que, para tal, esteja dependente de receitas publicitárias de natureza comercial, assim como diferenciar a oferta proporcionada pela RTP, em alternativa e não em competição, com as outras ofertas existentes no mercado".

Por outro lado, a empresa vai ser alvo de um plano de reorganização e modernização que poderá levar à saída negociada de 250 pessoas, disse o ministro dos Assuntos Parlamentares. Esclarecendo que a reestruturação não passa apenas pela saída de trabalhadores, Pedro Duarte disse que essas potenciais saídas serão "saídas voluntárias de trabalhadores que estão em situação de pré-reforma", mantendo um "ambiente de paz social" e concertado com os sindicatos.

O custo máximo da medida está previsto atingir os 19,9 milhões sendo que as contratações futuras serão feitas na lógica de que por cada duas pessoas que saem, entrará uma com valências diferentes das que atualmente trabalham na empresa – um perfil diferente, digital, esclarece o governo.

A reestruturação permitirá compensar o fim previsto das receitas publicitárias, já que o governo não pretende para já atualizar a contribuição audiovisual (CAV) que financia o serviço público de comunicação social. “Não temos nenhum plano de atualização da CAV”, adiantou o ministro embora tenha admitido que no futuro possa haver algum ajustamento ao valor da inflação.

Há vários anos que a CAV não é atualizada mas Pedro Duarte refere que o valor cobrado tem aumentado de forma significativa porque apesar de a taxa não subir, há mais gente a pagá-la, fruto do aumento do número de utilizadores de energia em Portugal – e espera-se que mais venham a pagar.

“O encargo em cima dos contribuintes não vai ser alterado. Há vários modelos em termos europeus de financiamento do serviço público de televisão e o essencial não vem de receitas publicitárias, vem através de taxas ou do Orçamento do Estado”, disse o ministro adiantando que “vamos encontrar um modelo de compensação para a reestruturação, o plano prevê que se paga a si própria em três anos com as poupanças do ponto de vista salarial mas o Estado vai encontrar um mecanismo de compensação”.

Pedro Duarte disse também que o fim da publicidade na RTP1 é “perfeitamente compaginável com ganhos de eficiência dentro da empresa. O serviço público está garantido e vai ser reforçado, a RTP é imprescindível e insubstituível”.

Questionado sobre o facto de a RTP ter feito uma contraproposta ao Governo para reduzir a publicidade e não para acabar com ela, o ministro respondeu: “Temos alguma pressa e urgência em transformar o país e isso não se compadece com inércias nem apatias. Acreditamos que a RTP será melhor sem publicidade comercial e damos um prazo de 3 anos, isso é acomodável sem grande problema”.

O novo contrato de concessão de serviço público também vai avançar e o governo pretende ainda que sejam implementados mecanismos de verificação de factos.

Lusa com descontos para os outros meios de comunicação social e novo modelo de governação

O governo pretende também clarificar a estrutura acionista da Lusa, o que já começou com a compra, por 2,49 milhões de euros, dos 45,71% do capital detidos pela Global Media e pela Páginas Civilizadas, que controla a Global Media, o que lhe permitiu aumentar a sua participação para 95,86%. O resto do capital será adquirido no próximo ano.

É intenção do executivo avançar com um novo modelo de governação para a agência de notícias, com a criação de um Conselho de Supervisão, assim como com um plano de modernização tecnológica. Mas uma das medidas mais badaladas que passam pela Lusa diz respeito à criação de benefícios para os órgãos de comunicação social. Inicialmente chegou a estar em cima da mesa a hipótese de o serviço da agência ser fornecido de forma gratuita mas a ideia foi abandonada e substituída por descontos entre 50% a 75% para os órgãos de comunicação social regionais e locais e entre 30% e 50% para os nacionais.

A medida deverá ser lançada a 1 de janeiro de 2025, após a revisão do Contrato de Serviço Público com visto do Tribunal de Contas e deverá ter um impacto de 2 milhões de euros na redução de receita da Lusa.

Pedro Duarte explicou que o abandono da ideia da gratuitidade teve a ver com o facto de “o trabalho que e feito pela Lusa ser muito importante e merecer ser valorizado. Foi-nos sinalizado que uma medida dessa natureza poderia passar por despedimentos noutros meios e afetar o pluralismo, devido ao risco de só ser reproduzido o que a Lusa escreve”.

“Pretendemos compensar a Lusa pelo montante dos descontos, ainda estamos a avaliar se será por aumento da indemnização compensatória ou no Orçamento do Estado com outra formulação, ainda não está definido”.

Análise do sector

Foi assumido o compromisso de se avançar para um estudo sobre o mercado jornalístico e os órgãos de comunicação social: “para garantir políticas públicas eficazes para o sector, o Governo acredita que estas devem ser monitorizadas, avaliadas, adaptadas e desenvolvidas com base em evidências científicas”. Além disso está prevista uma avaliação do atual regime de incentivos do Estado aos media de âmbito local e regional e ainda a integração das plataformas digitais nas soluções para o sector.

As plataformas digitais foram, aliás, tema de aceso debate num dos painéis da conferência, com as empresas de media a acusarem-nas de ficarem com a fatia de leão da publicidade sem as remunerarem pelos conteúdos que utilizam.

“No que respeita às plataformas digitais somos assumidamente prudentes porque há uma linha fina, têm a particularidade de estar a canibalizar muito do mercado, muitas vezes fazem-no utilizando a informação dos meios de comunicação social. Temos de encontrar um ponto de equilíbrio em que possamos remunerar de forma mais justa o mercado em torno da informação. Não concebemos jornalismo que não seja remunerado pelo trabalho que faz mas também queremos que chegue às pessoas e seja difundido”, disse o ministro.

Pedro Duarte adiantou que “uma medida para ser eficaz nesta área deveria ser assumida pelo menos em termos europeus. O problema é que estamos à espera há muitos anos que chegue alguma coisa da Europa com eficácia. No governo já assumimos que não vamos ficar à espera que haja uma deliberação europeia a este respeito, se ela chegar ainda bem mas se não chegar vamos ensaiar medidas nossas”.