Portugal encontra-se numa encruzilhada histórica. De um lado, uma economia que clama por mais trabalhadores. De outro, a incapacidade crónica de oferecer condições dignas a quem já cá está, muito menos aos que precisam de vir. Este paradoxo, evidente no setor da construção civil, no turismo, na agricultura e na sustentabilidade da Segurança Social, ameaça comprometer tanto o desenvolvimento económico como a coesão social do país.
O caso da habitação é paradigmático. Com 26 mil casas prometidas pelo Plano de Recuperação e Resiliência até 2026, o prazo é apertado e os recursos são insuficientes. Faltam 80 mil trabalhadores na construção civil, o que põe em risco não apenas as metas do PRR, mas também projetos estruturantes como o TGV ou o novo aeroporto.
A solução apontada parece óbvia: reforçar a imigração. Contudo, será justo atrair milhares de pessoas para um país onde o custo da habitação já é proibitivo para tantos? Onde as rendas consomem uma fatia desproporcional dos rendimentos, e onde a precariedade laboral e os baixos salários tornam difícil a integração dos próprios cidadãos?
No turismo, que representa 17% do PIB nacional, um setor fundamental para o crescimento to da economia portuguesa, o cenário é idêntico. Apenas em 2023, 120 mil imigrantes trabalhavam na hotelaria e restauração, mas isso não foi suficiente. As empresas lutam para preencher vagas e, por vezes, são forçadas a reduzir horários ou até fechar portas.
Já a agricultura, por sua vez, enfrenta desafios semelhantes. A cada colheita sazonal, só com o recurso a milhares de trabalhadores, na sua maioria imigrantes, é possível garantir parte do abastecimento alimentar do país.
Depois, a Segurança Social é um tema inescapável neste debate. Com um 1,42 filhos por mulher, longe dos 2,1 necessários para a substituição de gerações, Portugal enfrenta uma crise demográfica que põe em causa as pensões futuras. Em 2022, os imigrantes contribuíram com mais de 1,85 mil milhões de euros para a Segurança Social, com um saldo positivo de 1,60 mil milhões. Apesar disso, este quadro ainda está longe de resolver o problema. Para equilibrar o sistema, segundo um estudo da Faculdade de Economia do Porto, seriam necessários 138 mil novos imigrantes todos os anos até 2033,
Ainda assim, a questão da imigração vai muito para além dos números. Há um impacto social e humano que não pode ser ignorado. Um país que depende de imigrantes para prosperar deve oferecer-lhes não só oportunidades de trabalho, mas também condições de vida dignas, acesso a habitação a preços justos, saúde, educação e integração.
A atual situação é uma quadratura do círculo. Portugal precisa de mais população ativa imigrante para crescer e assegurar a sua sustentabilidade futura, mas, ao mesmo tempo, não tem capacidade para os acolher. O que está em jogo não é apenas o crescimento económico, mas também a forma como queremos moldar Portugal. Queremos um país inclusivo e próspero ou desigual e insustentável?
É urgente um debate nacional sério sobre a imigração e o papel que ela pode desempenhar na construção de um Portugal mais forte. Mais do que números e metas, é necessário um compromisso com a dignidade humana, sem a qual qualquer progresso será sempre ilusório.