Passaram quase 13 anos desde que um insurreto jovem socialista, num jantar de Natal com camaradas, em Castelo de Paiva, verberou contra os credores do Estado português. De mão no peito e tom inflamado, afirmava que se estava “marimbando” para os ditos porque os portugueses vinham primeiro. Sugeria então o Simón Bolívar de S. João da Madeira que se ameaçasse quem nos emprestou dinheiro com uma espécie de “bomba atómica”: “Ou os senhores se põem finos ou nós não pagamos. E se nós não pagarmos a dívida, e se lhes dissermos, as pernas dos banqueiros alemães até tremem!”
Refiro-me, já se percebeu, a Pedro Nuno Santos (PNS). Enfrentávamos os anos de chumbo da troika, que José Sócrates – a quem o atual líder do PS dispensou incontáveis encómios – fez desembarcar em Lisboa. Começou aí, pelo menos publicamente, um já extenso currículo de bravatas e de sapos engolidos por um político que já não é enfant e que só foi terrible quando o seu partido era liderado por António José Seguro.
PNS, que ainda imberbe dizia da Terceira Via (abraçada em Portugal por António Guterres e pelos seus discípulos, como Sócrates e Seguro) o que Maomé não diria do toucinho por ver nela uma cedência da social-democracia ao neoliberalismo, aos mercados, à austeridade e ao diabo a quatro, foi um dos rostos da guerrilha contra o chefe de turno.
Opôs-se à “abstenção violenta” no Orçamento do Estado para 2012, assim como à revisão da legislação do trabalho proposta pelo Governo de Pedro Passos Coelho, que, no essencial, António Costa manteve intocada. PNS, um dos artífices da geringonça e simpatizante de alguns dos delírios laborais do BE e do PCP, não arrepiou cabelo. Novo sapo.
Pelo caminho, também contestou a ratificação do Tratado Orçamental, cujas regras só foram suspensas devido à necessidade de adoção de medidas para combater a Covid-19. E de PNS, secretário de Estado e ministro, publicamente, nada se ouviu. Terceiro sapo.
O PNS que resistia, no verbo, à ortodoxia da disciplina orçamental e vociferava contra o enorme aumento de impostos perpetrado pelo coligação PSD/CDS não tugiu nem mugiu quando Costa redesenhou a austeridade e manteve os portugueses a pagarem com língua de palmo os excessos de um Estado ciclópico e ineficaz.
A carga fiscal em 2023 fixou-se em 35,8% do PIB e a tributação do trabalho não pára de aumentar, sendo Portugal o oitavo país que mais o sobrecarrega na OCDE. Bem pode ir subir ao púlpito nos congressos e citar Marx, que, chamado a funções executivas, PNS adotou a política de “falinhas mansas” que outrora condenou e subjugou-se à crueza das “contas certas”, das cativações e dos serviços públicos defenestrados que marcaram os consulados de Mário Centeno, João Leão e Fernando Medina no Terreiro do Paço.
Neste continuum de ingestão de sapos, PNS, o santo padroeiro dos trabalhadores, aceitou conduzir um dos maiores despedimentos coletivos de que há memória no país, e aquiesceu um plano de reestruturação da TAP com cortes de salários draconianos.
De igual modo, o visionário, o decisor, o fazedor lançou-se à construção não de um, mas de dois aeroportos. Um temporário, no Montijo; outro, definitivo, em Alcochete. Um dia volvido, regressado de uma cimeira da NATO, Costa desautorizou-o, revogou o despacho e forçou-o a uma contrição pública. Já com o antigo chefe de saída, PNS declarou concordar com o PSD no que respeita à recuperação do tempo de serviço dos professores, mas obedeceu à orientação superior. Esperneou, mas escudou-se na disciplina de voto para justificar a flagrante incoerência.
De lá para cá, entre indefinições estratégicas, incapacidade de condicionar as agendas política e mediática e ziguezagues táticos, PNS vai-se preparando para deglutir mais dois sapos. O feroz opositor das “abstenções violentas” de Seguro está condenado a viabilizar o Orçamento do Estado da Aliança Democrática (AD).
Sob pena de ficar com o ónus de uma crise política, e sabendo que perderia de forma mais expressiva do que perdeu em Março, procurará transformar uma aprovação custosa e “praticamente impossível” numa minudência mais palatável. Carlos César e Francisco Assis já alisaram o terreno e iniciaram o spin para uma história que todos percebemos como vai terminar.
Mais bicudo será o dossiê “Presidenciais 2026”. Costa, com o habitual ardil, arrumou a questão em 2021 apoiando, fingindo não apoiar, Marcelo Rebelo de Sousa. PNS entrincheirou-se e esteve ao lado da mais populista das socialistas no ativo, Ana Gomes. Desta feita, não pode dar-se ao luxo de patrocinar uma candidatura de fação ou para acertos de contas internos – é secretário-geral do partido, ser-lhe-á cobrada uma solução vencedora ou que, no mínimo, saia desse combate com uma derrota honrosa.
Contudo, e por mais irónico que pareça, sem que Guterres e Costa estejam disponíveis, a única opção plausível é Centeno (caso não seja reconduzido no Banco de Portugal). Esse mesmo, o homem que Costa tentou sentar em S. Bento sem que os portugueses fossem às urnas. O homem que o líder cessante quis usar para boicotar as pretensões de PNS ser primeiro-ministro. O homem que foi presidente do Eurogrupo e que revira os olhos com as proclamações esquerdistas de PNS e desta nouvelle vague que tomou conta do Largo do Rato.
À falta de mais candidatos plausíveis – o que diz bastante sobre a aridez política em que a esquerda se encontra -, e porque é da sua própria sobrevivência que se trata, a escolha será óbvia. Entre Centeno e a parede, PNS preferirá Centeno, a sua Némesis. Tal como, durante uns tempos, presumo, também prefira perninhas de rã. Já lhe faltará estômago para tantos sapos.
P.S.: Maria Luís Albuquerque é uma péssima escolha para comissária europeia. Segundo seu o currículo, não consta que se tenha formado numa das madraças das quais brotam as elites de Lisboa. Não possui um apelido que a autorize automaticamente a exercer funções públicas sem dar qualquer prova prévia de competência. Também não parece que tenha andado a saltitar de gabinete governamental em gabinete governamental por influência de um qualquer familiar. Não saiu do Governo diretamente para um regulador. E também não há notícias de que, enquanto titular de cargos políticos, tenha andado a bajular os tudólogos do regime. Tem tudo para correr mal em Bruxelas.